A empresária Luiza Trajano 21 de dezembro de 2024 | 14:05
Quanto os bilionários brasileiros perderam com a disparada do dólar
Uma perda de mais de US$ 12 bilhões nas fortunas das pessoas mais ricas do Brasil se aprofundou esta semana, com o real chegando a um recorde de baixa, reduzindo o valor de mercado de empresas em mais de 60% no ano.
De Rubens Ometto a André Esteves, alguns dos bilionários do país viram sua riqueza diminuir este ano, já que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se recusa continuamente a cortar gastos na dimensão desejada pelo mercado e o déficit fiscal do país aumentou para quase 10% do PIB (Produto Interno Bruto).
As fortunas dos bilionários encolheram ainda mais esta semana depois que o Congresso diluiu os cortes propostos pelo governo nos gastos e o Banco Central fez várias tentativas frustradas de conter o colapso da moeda. A bolsa de valores do Brasil perdeu US$ 230 bilhões este ano em valor de mercado — US$ 60 bilhões apenas nos últimos sete dias.
A crise crescente está aumentando os temores na Faria Lima — o Wall Street brasileiro — de que, apesar do crescimento econômico relativamente robusto, Lula paralisará decisões de investimento de longo prazo mesmo quando tentar atrair empresas estrangeiras para revitalizar a indústria.
As taxas de juros devem subir para cerca de 15% no ano que vem, com pouca ou nenhuma expectativa de que o governo de esquerda cederá às demandas do mercado por austeridade. Isso, junto com a volatilidade do mercado, deixa os investidores sem nenhuma razão para serem otimistas sobre as perspectivas de curto prazo.
“O que vemos é uma destruição de valor generalizada e sem precedentes”, disse Ricardo Lacerda, fundador e presidente do banco de investimento boutique BR Advisory Partners. Com o aumento nos juros, “ninguém consegue se financiar. Já vemos projetos sendo adiados, fusões e aquisições sendo abortadas, projetos de investimento sendo arquivados”.
Ometto, o bilionário por trás da gigante do etanol e da logística Cosan, disse ao jornal Folha de S.Paulo em uma entrevista esta semana que o problema é principalmente político, com membros do partido de Lula se recusando a ceder, e que as empresas estão interrompendo investimentos.
A destruição de riqueza que foi desencadeada é chocante, e o clima no distrito financeiro é sombrio. Os fundos multimercado — que cresceram há apenas alguns anos — não estão conseguindo superar os benchmarks de mercado e estão lutando contra resgates líquidos de R$ 411 bilhões em 12 meses. Muitos estão optando por fechar. Os que permanecem estão vendendo ações brasileiras e a moeda, adicionando gasolina ao fogo.
Alguns dos executivos de empresas mais famosas do Brasil são diretamente impactados. Ometto viu 66% do valor da Cosan em dólares ser eliminado. Luiza Trajano, da varejista Magazine Luiza, viu sua participação, que já valeu bem mais de US$ 1 bilhão, encolher ainda mais este ano, com ações caindo 75% em dólares, de acordo com o Bloomberg Billionaires Index.
A construtora de casas do bilionário Rubens Menin, MRV Engenharia e Participações, também caiu junto com o varejista atacadista Atacadão, que é majoritariamente de propriedade do francês Carrefour juntamente com o family office do falecido Abílio Diniz.
No entanto, muitos exportadores foram protegidos. As famílias bilionárias por trás dos produtores de carne, incluindo JBS, BRF e a fabricante de máquinas industriais WEG estão entre as poucas a contrariar a tendência com suas empresas de capital aberto ganhando no ano.
Representantes dos bilionários e suas empresas não responderam ou não quiseram comentar.
Banqueiros seniores no país que concordaram em falar sob a condição de não serem identificados disseram que os últimos planos de corte de gastos eram insuficientes, os legisladores estavam demorando para aprovar as mudanças e o governo não conseguiu mostrar urgência suficiente para lidar com a deterioração da situação fiscal.
Um desses banqueiros lamentou que a Argentina, o vizinho econômico perene e problemático do sul que agora está passando por uma campanha drástica de austeridade fiscal, terá maior crescimento e menor inflação quando o mandato de Lula terminar.
Outros criticaram o ministro da Fazenda de Lula, Fernando Haddad, por sugerir que a moeda estava sob um “ataque especulativo”.
Líderes empresariais dos setores de infraestrutura e varejo que também pediram anonimato para falar sobre a situação disseram que veem um mandato presidencial de quatro anos desperdiçado e esperam mais fuga de cérebros à medida que os jovens brasileiros buscam se mudar para o exterior.
Enquanto as flutuações cambiais selvagens estão afetando principalmente empresas, seus valores de mercado e brasileiros mais ricos que estão planejando viagens de ano novo para o exterior, economistas alertam que a desvalorização aparecerá nos preços ao consumidor e por meio de juros mais altos para todos em 2025.
A grande maioria dos brasileiros comuns só começará a sentir o impacto da crise fiscal quando a moeda atingir os preços de itens como alimentos, vestuário e eletrodomésticos, que são todos muito sensíveis ao dólar americano, de acordo com a economista da Bloomberg Economics, Adriana Dupita.
O Banco Central estima que, mantendo-se tudo o resto igual, a inflação aumentará 1% para cada 10% de desvalorização do real. Uma pessoa com renda média no Brasil estará muito mais vulnerável à desvalorização.
A Carpa, multifamily office que assessora 140 famílias e tem cerca de R$ 7 bilhões sob gestão, agora recomenda que os clientes aloquem até 50% de suas carteiras em moeda forte, acima de 20% a 30% no passado, segundo o sócio e diretor de planejamento patrimonial, Pedro Romeiro.
Entre os clientes interessados em estabelecer residência fiscal fora do Brasil, há um interesse crescente por destinos como Uruguai, Portugal e Itália, disse ele. Outros pensam em vender ativos como imóveis nos EUA, cuja manutenção se tornou dispendiosa e raramente são utilizados.
“Os brasileiros em geral estão enviando mais dinheiro para o exterior e a migração está aumentando”, disse Romeiro. “À medida que o governo tenta aumentar os impostos, essas tendências aceleram”.
Os ricos sempre têm formas de contornar o aumento dos impostos, o que só tornará a situação fiscal mais difícil de resolver, segundo Romeiro.
O caos está se mostrando uma bênção para algumas fintechs especializadas em oferecer aos brasileiros transferência de dinheiro e canais de investimento offshore.
“Estamos notando um aumento histórico no volume de investimentos financeiros de clientes brasileiros”, disse Roberto Lee, fundador e presidente da Avenue, uma corretora voltada para brasileiros que buscam diversificar em dólar e proteger suas poupanças.
Lacerda, o banqueiro, vê Lula numa “queda de braço” com o mercado, a fuga de capitais aumentando e uma incerteza crescente para os investidores.
“Os investidores estão jogando a toalha”, disse ele. “Quem aposta contra o Brasil está ganhando dinheiro. Quem aposta a favor está perdendo”.
Folhapress