Detentos são recrutados por agentes penitenciários para colaborar em revistas e na vigília de outros presos na Penitenciária Lemos Brito, em Salvador. É o que aponta o relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), divulgado nesta sexta-feira pelo Uol e obtido pelo Bahia Notícias.
O documento, baseado numa inspeção do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania entre novembro e dezembro de 2023, tem como objetivo avaliar a aplicação do Mecanismo Especializado para Promover a Justiça Racial e a Igualdade na Aplicação da Lei (EMLER, na sigla em inglês).
AS DENÚNCIAS
A primeira parte do relatório de inspeção avalia a estrutura e recursos humanos da Lemos Brito. O MNPCT constatou, durante a inspeção, uma superlotação do sistema: atualmente, a Lemos Brito tem 1.334 pessoas sob custódia, mesmo possuindo apenas 771 vagas. Sendo assim, a penitenciária possui um excedente ocupacional de 73,2% da capacidade.
Foto: Reprodução / Relatório MNPCT
A inspeção observou ainda que todos os módulos do presídio, “apresentavam necessidade urgente de reformas e estavam em estado de completa deterioração estrutural”. As celas não possuem estrutura adequada, ventilação e alguns banheiros não possuíam descarga ou chuveiro. Nas celas também não haveria lâmpadas ou pontos de energia. Os colchões também foram classificados como “insalubres”: “eles estavam rasgados, desgastados, com mofo e insalubres.”
Quando se trata da avaliação do “uso da força e regime disciplinar”, o documento aponta que “o plantão de policiais penais é composto por apenas 25 profissionais”, o equivalente a 53 presos para cada policial, um índice mais de 10 vezes maior que o estabelecido pela Resolução nº 9, de 18 de novembro de 2011, do CNPCP, que seria de cinco detentos para cada policial.
Considerando esse parâmetro, a polícia prisional da Lemos Brito deveria ser composta por 266 agentes. Assim, a insuficiência de efetivos faz com que a polícia organize “suas ações jogando bombas e spray de pimenta sem que esteja havendo nenhuma espécie de insubordinação na unidade que possa justificar essa prática”, diz o documento do MNPCT.
A inspeção aponta ainda que, para suprir a falta de agentes, “pessoas privadas são recrutadas para exercer funções de segurança, vigilância e aplicar eventuais sanções contra outros privados de liberdade (neste caso, as sanções são sempre ilegais e ilegítimas)”.
Além disso, presos são colocados em celas individuais, as “solitárias” por mais tempo que o permitido, em locais onde “há ratos, baratas e não há colchão, as pessoas dormem diretamente no concreto”. Outros chegam a passar seis meses sem banho de sol.
Foto: Reprodução / Relatório MNPCT
Em termos de alimentação, assistência material, água e higiene, foi notado que “as condições estruturais e sanitárias da cozinha são péssimas e insalubres, com infiltrações, partes alagadas e mofo em diversos ambientes; exaustão e renovação de ar insuficiente”. O documento relembra que o Ministério Público estadual já havia requerido pela interdição da cozinha e atualmente a empresa fornecedora atua sem o alvará de funcionamento do local.
Durante entrevistas com detentos, o Mecanismo relatou que “as pessoas privadas de liberdade informaram que consideram a alimentação péssima, foram descritos alimentos de má qualidade, carnes mal cozidas, monotonia dos ingredientes e principalmente a insuficiência da quantidade e as muitas horas de fome e jejuns forçados”. Além disso, o fornecimento de água é inconsistente em parte dos blocos da penitenciária e a água eventualmente vem misturada com esgoto.
No que diz respeito ao acesso à educação, trabalho e lazer, a unidade possui 14 salas de estudo, com capacidade para 30 pessoas, e uma biblioteca, fazendo com que as vagas para utilização desse sistema educacional sejam extremamente escassas. O relatório documenta que, do total de detentos, apenas “268 pessoas trabalham em atividades internas da unidade sem remuneração e 78 trabalham em parceria com a iniciativa privada e são remunerados. As atividades internas são limpeza e distribuição de alimentos”.
O relatório ainda avalia o acesso à assistência à saúde, psicossocial, jurídica e religiosa; contato externo e familiar; e o monitoramento e fiscalização pelos órgãos de controle externo.
RECOMENDAÇÕES
Em suas considerações, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura expôs 55 recomendações a 10 órgãos públicos, sendo alguns deles eles: o Governo do Estado da Bahia, a Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA), a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), a Corregedoria-Geral da Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-BA), e o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA).
Entre as recomendações estão:
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A criação de um plano de redução da superlotação, por meio de um Comitê Colegiado estadual, composto por Juízes, Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, Conselho Penitenciário.
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A providência com relação às reformas na estrutura da Penitenciária Lemos Brito;
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Que sejam realizadas dedetizações regulares e extinção de focos de animais vetores de doenças como mosquitos, baratas e ratos, comuns na unidade;
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Extinção da prática de pessoas privadas de liberdade participarem, junto com a polícia penal, em procedimentos de revista e vigilância, promovendo a responsabilização dos profissionais de segurança que permitem a participação de pessoas privadas de liberdade em atividades privativas de funcionário público policial penal;
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Que seja realizada a manutenção das instalações sanitárias e sejam fornecidos materiais de limpeza em quantidade adequada e com regularidade de entrega não superior a 15 dias para o asseio das instalações sanitárias, principalmente das celas do castigo, encontradas em condições deploráveis pela equipe de inspeção.