N/A

Advogada influenciadora é acusada por mães de aplicar golpes; vítimas relatam prejuízos financeiros

1 views

Conhecida nas redes sociais como advogada Aline Sousa e autointitulada “protetora de mulheres fortes”, uma advogada com escritório em Jequié, no sudoeste baiano, está sendo denunciada por ao menos sete mulheres por aplicar golpes financeiros que somados levam a perda estimadas de pelo menos R$ 20 mil. As vítimas relatam que, após realizarem pagamentos pelos serviços jurídicos, a profissional simplesmente desaparece com o dinheiro por meses, deixando de responder mensagens e ligações. 

 

Ainda nesta sexta-feira (12) a advogada começou o processo de estornar as clientes. Até o momento, para mães que antes ficaram meses ou até um ano na espera. A jurista se apresenta como aliada das mães em suas redes para seus 76 mil seguidores no Instagram, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade. O Bahia Notícias (BN) escutou pelo menos cinco vítimas que toparam contar suas histórias. 

 

Para Anna Carolina Franco, moradora de São Paulo e mãe solo, Aline adota um “modus operandi” específico: utiliza uma linguagem acolhedora e se apresenta como referência no atendimento a mulheres que enfrentaram relações abusivas ou dificuldades emocionais.

 

“Ela conversa com você como se fosse amiga, promete ajudar, diz que entende sua dor. Depois pede um pagamento adiantado, sem contrato formal, e quando você paga, ela simplesmente desaparece. [Quando passei a cobrar meu dinheiro de volta], ela entrou em contato chorando, alegando que tinha sido roubada, mas tudo mentira”, explica Anna Franco.

 

Já para Luciana Pacheco, advogada de formação e mãe de um bebê de um ano, Aline Sousa sempre fornecia uma desculpa triste e não devolvia o dinheiro pago, um prejuízo de R$ 3.500 enquanto buscava ajuda contra o ex-companheiro.

 

“Ela sempre justifica o motivo da ausência com uma historinha triste: ‘uma pessoa morreu’, ‘pedi a guarda da filha’ ou ‘tentei suicídio’. Que [ela iria] ‘vender celulares’ para me pagar. Sempre a mesma estratégia. Na minha última tentativa, contei minha história e pedi meu dinheiro. Estou desempregada, tenho uma bebê de 1 ano em casa e preciso pagar as contas da minha filha”, relata Luciana.

 

A paulista ainda revela que passou por dificuldades em seu caso contra seu ex-companheiro e genitor de seu filho, que procurou ajuda e denunciou a advogada, mas segue sem devolução do dinheiro.

 

“Hoje tenho uma filha, sofri vários abusos em relação ao pai dela, tenho medida protetiva e a doutora Aline é ciente disso tudo. Contei tudo para ela e pedi para regularizar a situação. Ela pediu o valor, eu falei ‘okay’ e assinei contrato com a doutora Aline. Paguei à vista no dia 3 de maio. Ela me respondeu dizendo que passava por problemas, os meses passaram e nada. Não atendia as ligações. Tenho tudo documentado”, completa Luciana.

 

Outro caso é o da carioca Raquel Oliveira, mãe de uma menina de 14 anos. O prejuízo foi parcelado e, pouco depois, a advogada não aparecia mais e bloqueou seu contato após cobranças.

 

“O valor de entrada foi R$ 900, e parcelei o restante. O total foi de R$ 3 mil. Ela sempre dizia ‘teremos novidade’ e nada. Fiquei preocupada após todo o pagamento, e ela não me respondia. Depois de três meses, alguém dizendo ser a secretária iria falar comigo, mas não deu nenhuma informação. Hoje estou bloqueada. Faz um ano desde o pagamento e nada foi feito”, detalha Raquel.

Capturas de telas de mulheres diferentes implorando contato da advogada | Foto: Reprodução / Bahia Notícias

 

Para essas mulheres, o sentimento é de desamparo e desespero. A advogada desaparecia, mas continuava ativa nas redes sociais, com discursos em palestras, vídeos e postagens de empoderamento e defesa feminina. “Eu paguei R$ 3.500 para ela, e ela simplesmente sumiu. Não atendia ligações, nem respondia mensagens. Me senti enganada e impotente”, rememora Anna Franco.

 

“Ela passa a imagem de uma advogada séria, que fez mestrado e cobra valores. Só a consulta inicial é R$ 80. A primeira parcela foi R$ 600, e dividi os valores em R$ 350. Ela dizia que ia dar entrada no pedido. Passaram-se meses e nada. Marcava reuniões e não comparecia. Quem pagava era meu pai, com rombo na minha família total de R$ 1.700”, complementa Priscila Hora.

 

Capturas de telas de mães diferentes enviadas para redação do BN | Foto: Reprodução / Bahia Notícias

 

VIDA NAS REDES x DENÚNCIAS
As sete vítimas identificadas até agora relatam que o estilo de vida exibido por Aline — com viagens em hotéis caros, festas com amigos e discursos de empoderamento em palestras — contrastando fortemente com as promessas não cumpridas e o abandono dos processos de mulheres em situação difícil.

 

“Ela só vive em festa nas redes sociais. Ela vê minhas mensagens e não entra em contato. A namorada dela já tirou informações das outras meninas [outras mães]. É uma quadrilha! Já até bloqueou todo mundo. Estão juntas e gastando o dinheiro das próximas vítimas”, critica Priscila.

 

Registro de Aline Sousa em momentos de palestras e viagens | Foto: Reprodução / Redes sociais 

 

Em alguns casos, após ser cobrada, a acusada alegaria problemas pessoais e prometia estornar os valores, o que segundo as vítimas nunca aconteceu. Para as mães ouvidas pelo BN, essas histórias da vida pessoal da advogada eram uma maneira estratégica de capturar mais mães pelas redes sociais. 

 

“No Instagram dela, você se sente à vontade. Estou entregando minha causa nas mãos de alguém que me deixa segura. É desesperador ver isso. Ela mostra o tempo todo que vai defender mães, que os ‘alecrins dourados’ [genitores] não têm vez. É uma forma estratégica para capturar esse público”, revela Raquel.

 

Para Priscila Hora, o caso a deixou repleta de dívidas. Ela conta que procurou denunciar, enviou e-mails à OAB e recorreu a ouvidorias, mas alega que a comarca de Jequié parece ser conivente. “A OAB parece proteger os golpes desses advogados. Não tenho dinheiro depois de tudo. Entrei em contato com a OAB em Salvador e não tive sucesso. Falei com advogado em Jequié, e entraram em contato com ela, mas não deu em nada. Parece que não dá jeito nenhum”, conta.

 

Registro de vídeos que advogada posta | Foto: Reprodução / Redes sociais 

 

As denúncias podem configurar infrações éticas e criminais e poderão ser encaminhadas à OAB e ao Ministério Público da Bahia (MP-BA). “É triste. A rede social dela alcança muitas mulheres, ela faz pensando nisso. É muito decepcionante saber que uma pessoa dita a nosso favor acaba fazendo algo pior justamente com mães que estão passando por momentos difíceis. E vem essa mulher com mais um rombo na nossa vida e na nossa saúde, tanto financeiro quanto pessoal”, desabafa Priscila.

 

Algumas vítimas registraram boletim de ocorrência formal nos últimos meses, mas seguem sem retorno. O BN teve acesso a um boletim feito ainda em julho na 23ª Delegacia Territorial de Lauro de Freitas, por estelionato (art. 171 do CPB). Segundo o registro, a advogada teria sumido após receber pagamentos referentes a uma ação de revisão de alimentos, sem protocolar a ação ou atender as mensagens da vítima.

 

Registro do Boletim de ocorrência denunciado a advogada | Foto: Reprodução / Bahia Notícias

 

A reportagem do Bahia Notícias procurou a OAB-Jequié e o Ministério Público da Bahia (MP-BA) para obter informações sobre as denúncias, mas nenhum dos órgãos comentou ou forneceu retorno até o fechamento desta matéria. Logo após o contato da redação, um secretário da advogada, se apresentando como “biólogo”, procurou algumas das mães que haviam falado com a imprensa.

 

RESPOSTA DA ACUSADA e VERSÃO DAS EX-CLIENTES
O BN procurou a OAB-BA (Ordem de advogados da Bahia) buscando entender como anda o processo. Após mencionar o nome da acusada, a entidade esclareceu “que por lei não pode fornecer detalhes sobre processos disciplinares”. Procurada pela reportagem do BN, a advogada Aline Santos Sousa encaminhou nota à imprensa em que nega as acusações e afirma atuar dentro da ética profissional. Na nota, Aline disse estar preocupada com a possibilidade de divulgação de denúncias “sem a devida comprovação”.

 

Ela alegou que uma ex-cliente rescindiu unilateralmente os serviços contratados e, além disso, passou a procurar outras clientes de seu escritório, induzindo-as a pedir renúncia dos processos e devolução de valores já pagos.  A advogada reforçou que é regularmente inscrita na OAB, declarou exercer suas atividades com ética e responsabilidade.

 

Contudo, o BN teve acesso a uma série de conversas de diferentes mães, ou seja o caso não se sustenta como uma única ex-cliente. A advogada também afirmou que todos os processos em que atuou foram devidamente iniciados, protocolados e acompanhados, e que possui provas documentais de sua atuação, mesmo com as conversas e boletim de ocorrência já registardos.

 

Ainda segundo Aline, os valores pagos por clientes foram devolvidos “não por ausência de trabalho, mas para impedir que sua imagem fosse injustamente colocada em dúvida”. Ela acrescentou que adotou medidas legais contra a ex-cliente que estaria, segundo sua versão, fazendo comentários indevidos em suas redes sociais.

 

Questionada sobre o tempo dos pagamentos, Aline afirmou a equipe BN que se resguarda o direito de se pronunciar “em momento oportuno e de forma adequada”, preservando, segundo ela, sua dignidade e a ética profissional. A advogada acrescentou que “qualquer comunicação ou esclarecimento será feito de maneira formal e através dos canais apropriados”.

 

Na mesma nota, Aline alega que todos os processos em que atuou foram devidamente iniciados e acompanhados, embora não tenha apresentado documentos por considerar que o sigilo profissional a impede de divulgar provas publicamente. Disse ainda que devolveu valores pagos “não por ausência de trabalho, mas para resguardar sua honra e reputação”.

 

De fato, nesta sexta-feira (12) a advogada começou o processo de estornar as clientes. “Ela devolveu hoje [12 de setembro] o valor todo, imagino que tenha sido pelo dedinho da imprensa. Eu espero em Deus que esse dinheiro não tenha saído do bolso de outra mãe desesperada. O meu graças a Deus ela pagou total. Ainda falta que algumas meninas sejam pagas, mas parece que ela deu finamente entrada nas ações”, atualiza Priscila Hora, agora com seu dinheiro de volta.  

 

As mães procuraram a imprensa no mesmo período, ainda nesta sexta-feira (12). Algumas, como a Priscila Hora, receberam o valor total, outras ainda seguem na espera. “Não é bem assim não, o secretário dela me procurou e estornou parte do meu valor. Uma quantia de R$ 1.000. Apesar de ser bom, quero meu dinheiro de volta completo [falta R$ 2.500]”, exige Luciana Pacheco.

 

“Estamos contentes que estamos recebendo os valores, mas assim essa situação segue preocupante. Com certeza deve ter mais pessoas que passaram pelo problema e devem passar. Ela está habituada a fazer! Ela é mentirosa, manipuladora. É surreal, a gente não acredita”, acusa Anna Franco.

 

Em resposta ao Bahia Notícias, a 23ª Delegacia Territorial de Lauro de Freitas informou que apura como um caso de estelionato ocorrido no meio virtual desde julho. Conforme registrado na ocorrência, uma mulher contratou os serviços de uma advogada que desapareceu após o pagamento de parcelas do contrato. A unidade destacou que oitivas e diligências estão em andamento para esclarecer o caso.

 

Leia a nota na íntegra da acusada:

Venho, de forma respeitosa, manifestar minha preocupação diante da informação de que seriam veiculadas denúncias sobre minha atuação profissional sem a devida comprovação.

 

Recentemente, uma ex-cliente decidiu rescindir unilateralmente os serviços advocatícios contratados e, além disso, passou a procurar outras clientes de meu escritório, induzindo-as a pedir a renúncia dos processos e a devolução de valores já pagos.

 

Importa esclarecer que todos os processos em que atuei foram devidamente iniciados, protocolados e assistidos, com a devida dedicação técnica e profissional. Possuo todas as provas documentais que confirmam a minha atuação, mas, em respeito ao sigilo profissional previsto no art. 25 do Código de Ética e Disciplina da OAB e no art. 7º, XIX, do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), não as exponho publicamente.

 

Ainda assim, e a fim de resguardar minha honra e evitar especulações maliciosas, devolvi integralmente os valores pagos, não por ausência de trabalho, mas para impedir que minha imagem e reputação fossem injustamente colocadas em dúvida.

 

Importa destacar que, desde o momento em que a referida ex-cliente passou a fazer comentários indevidos em minhas publicações e a incitar outras clientes contra minha atuação, adotei as medidas legais cabíveis, inclusive com a propositura de queixa-crime contra ela, a qual segue em trâmite perante a Justiça.

 

Ressalto que sou advogada regularmente inscrita na OAB e exerço minhas atividades com ética e responsabilidade. Qualquer questionamento relativo à conduta profissional deve seguir os trâmites legais, especialmente perante a Ordem dos Advogados do Brasil, órgão competente para tanto.

 

Esclareço ainda que a divulgação de informações inverídicas ou sem fundamento pode configurar ofensa à minha honra e imagem, ensejando responsabilidade civil e criminal por parte de quem divulga e de quem publica.

 

Reitero meu respeito ao trabalho da imprensa, portanto, confio que a seriedade e a veracidade jornalística prevalecerão“, finaliza a nota enviada a imprensa.


Descubra mais sobre Euclides Diário

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Rolar para cima