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Além das Quadras: Entenda o papel do esporte nas escolas públicas da Bahia

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O viés social e o poder de transformação do esporte já é conhecida. Histórias de superação, sobrevivência e ascensão social comovem os corações brasileiros. No entanto, a maior parte dessa história começa na formação de uma base sólida na juventude, especialmente na introdução do esporte nas escolas. No último domingo (25), foi o Dia Nacional do Desporto Escolar, data que evidencia a importância da prática esportiva no ambiente educacional e sua contribuição para a formação de jovens talentos. 

 

A decisão foi tomada em 2023, quando a Lei nº 14.579 foi sancionada depois da fundação da Confederação Brasileira do Desporto Escolar (CBDE). Para falar sobre a aplicação do decreto nas escolas, o Bahia Notícias conversou com o coordenador de Esporte Escolar (CEES) da Secretária de Educação da Bahia, Tiago Santana. 

 

Ele explica que o processo começa nas quadras das unidades escolares, por meio dos professores. “Primeiro, a gente precisa falar do protagonista, o profissional de educação física, porque eles são responsáveis por criar um ambiente seguro motivador que promove essa inclusão e a diversidade dentro da aula de Educação Física e a partir da aula que você começa a inserir o esporte”, explica. 

 

Considerando o modelo escolar adotado em todo o Brasil, o ensino esportivo é iniciado, especialmente em quatro modalidades. “Dentro do esporte você tem o quarteto fantástico, que a gente chama, que é o basquete, o vôlei, futebol e handebol, e todos os profissionais de Educação Física se apropriam mais dessas modalidades. Além disso, tem aquelas modalidades mais específicas, as modalidades individuais, que é o karatê, o judo, a ginástica, o atletismo, dentre outras”, afirma. 

 


Foto: Gervásio Lima / NTE-6 / Sudesb 

 

O coordenador explica que a expansão da prática esportiva nas escolas tem ligação direta com a reestruturação da estrutura física das escolas, promovida pelo Governo do Estado, permitindo que as unidades tenham espaço para a prática de diversas modalidades. Assim, “todos os professores além de ter a carga horária de educação física, muitos deles tem uma carga horária para modalidade esportiva”. “Então, dentro da matriz curricular, ele consegue trabalhar esses dois eixos”, conta Santana. 

 

“Os jogos escolares são um projeto estruturante da Secretaria de Educação, e eles têm etapas. Os jogos já iniciaram com a etapa escolar, que são os jogos dentro da unidade escolar, e depois eles passam para outra etapa, que é territorial. Depois tem uma etapa interterritorial e estadual, essa última é uma seletiva para os jogos nacionais, onde a gente faz essa parceria com a Sudesb [Superintendência dos Desportos]”, detalha. 

 

“Os campeões da etapa estadual vão representar a Bahia nos Jogos da Juventude, que são promovidos pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), e os Jogos Escolares Brasileiros, que são da Confederação Brasileira do Desporto Escolar (CBDE). Então, desde 2019, a gente tem essa parceria com a Sudesb, que trabalha com fomento ao esporte, mas sempre está nos ajudando nos Jogos Escolares”, completa o gestor esportivo. Tiago ressalta, no entanto, que apesar de importante para a formação de bases esportivas no estado, os Jogos Escolares não são apenas um gerador de talentos:  

 

“A primeira coisa que a gente precisa entender é que os jogos, o objetivo dos jogos é para trabalhar a cultura. O jogo não tem uma finalidade apenas competitiva. A competição é algo à parte. Durante os jogos, a gente vai descobrindo aqueles talentos. E aqueles talentos vão avançando e tal, mas o nosso objetivo aqui é trabalhar a inclusão, a diversidade”. 

 

Tiago alertou que a nova geração, que cresceu em meio de uma maior disseminação e desenvolvimento do mundo digital, deve manter a prática dos esportes e exercícios na rotina diária. “A gente vive em um mundo hoje em que a maioria dos estudantes vive mundo digital e a atividade física e a educação física para esse segmento é muito importante porque ela libera a endorfina, vai ajudar a promover uma sensação de bem-estar, porque você sabe, a maioria dos estudantes está se preparando para uma vida adulta. Então, a gente sempre estimula que os estudantes a continuar fazendo atividade física, que é uma válvula de escape”, destaca. 

 

A ARTE DE ENSINAR 
A garantia do acesso ao esporte nas escolas públicas passa por diversas frentes, entre elas, o ensino. Por trás do sucesso baiano no esporte amador, professores de dentro e fora da rede pública de ensino encontram formas de garantir que os jovens encontrem no esporte uma oportunidade de se desenvolver. 

 

Uma dessas profissionais é a atleta e treinadora de handebol, Vânia Carapiá do Nascimento. A atleta que até hoje atua na categoria master do esporte, ajudou a levar as equipes femininas e masculinas de Juazeiro, no norte da Bahia, e Petrolina, em Pernambuco, para as competições nacionais de esporte escolar. Três vezes vencedora da categoria pela Bahia, ela garante que o resultado não seria alcançado sem a uma rede de apoio aos alunos. 

 


Foto: Equipe campeã dos jogos escolares 2025 na categoria de handebol masculino e feminino de 15 a 17 anos / Arquivo Pessoal 

 

“Eu trabalho com ambos os sexos, crianças de 12 a 17 anos. Eu tenho uma faixa de 150 atletas entre Pernambuco e a Bahia. E só para você ter ideia, nem quadra eu tenho, né? É um galpãozinho. E aí você pergunta como você consegue, né? Sim, com material totalmente desatualizado. Agora a gente está em reunião com a gestão, e eu tenho pedido o material, mas eu digo a você que o sucesso desse trabalho é uma parceria que a gente tem muito grande com a família”, revela. 

 

“Então, assim, os meninos só participam do esporte se a gente tiver bom comportamento. A gente não vê nem essas questões de nota, porque lá [na escola] tem meninos que tem até problema de letra. Eu não vejo nota, é através do comportamento. Então, é uma parceria muito forte dentro da escola. Por isso que eu tenho apoio tanto dos professores, quanto da gestão, quanto com os pais”, completa a professora de Educação Física.

 

Apesar da rigidez nos treinos, Vânia explica que os alunos se atraem naturalmente pela prática esportiva. “Meus colegas falam muito do problema que eles têm em escola particular, porque em escola particular, o menino tem muitos atrativos. Já o menino de escola pública, ele não tem. Então, no esporte, ele se sente protagonista. Ele se dá mesmo, porque ele aparece nos jogos, ginásio lotado, então ele se sente importante. Também tem a questão de que eu participo de campeonatos, quando tiver campeonato eu vou, e o menino gosta disso, gosta de participar, gosta de viajar”, explica. 

 

A intenção de dar aos alunos de escolas públicas a chance de ter novas oportunidades, também é a da sensei Graças Marques, outra vitoriosa dos Jogos da Juventude. Mesmo fora da rede pública, a treinadora utiliza sua academia para apoiar estudantes de baixa-renda em Cruz das Almas, no Recôncavo baiano, e levou o atleta Gabriel Cruz para o pódio da competição nacional, com uma medalha de bronze. 

 

Sua jornada começou há mais de 40 anos, movida pela percepção de que muitas crianças da rede pública não tinham acesso ao judô. A sensei explica que foi o seu professor que possibilitou que ela pudesse ter o espaço para ministrar aulas gratuitas para estudantes da rede pública de ensino. De acordo com Graças Marques, esse “Sim” foi um divisor de águas. “Ele me cedeu um horário às 16h. No primeiro dia do treinamento eu recebi 42 crianças e adolescentes para treinar. Aquilo para mim foi um divisor de águas”, afirmou a representante da academia Assamaca.

 

Mais do que formar atletas, Graças sempre teve como missão formar cidadãos. Ela insiste que o esporte na escola deve ir além das medalhas. “Desde sempre, eu dizia uma frase, que sempre levava como um termo para os meninos: medalha enferruja, caráter não. Entre uma medalha e formar um cidadão, uma cidadã, eu prefiro isso. Porque a medalha um dia vai deixar de existir. Mas a formação de vocês como cidadãos, isso vai para a vida inteira”, enfatizou.

 


Foto: Registro dos Jogos Escolares Brasileiros / Arquivo pessoal 

 

O mesmo é reforçado pela professora de handebol em Juazeiro: “Meu intuito com esses meninos não é chegar à seleção brasileira. Porque, assim, eu conheço várias pessoas que chegaram até uma seleção, e a não ser o futebol, que o futebol é, sim, [uma opção de retorno financeiro]. Os esportes amadores, eles são meio. Eu falo para eles da importância de usar o handebol como meio para entrar numa universidade, fazer um curso bom, e não querer levar o handebol como profissão.” 

 

Ao Bahia Notícias, Vânia revela que conseguiu um apoio externo de uma faculdade particular para os seus atletas que estão se formando na escola estadual Lomanto Júnior, onde leciona. “Esse é o maior prêmio que vocês podem receber, nos estudos. Eu digo ‘se vocês quiserem, depois vocês vão jogar para brincar, porque se vocês forem viver hoje no Brasil de esporte amador, vocês vão ficar com vários colegas meus, que foram para três olimpíadas, mas não quiseram estudar, então não avançou’”, conta. 

 

No que diz respeito as competições nacionais, Graças reconhece avanços no esporte escolar ao nível nacional, com maior visibilidade e estrutura em eventos como os Jogos da Juventude e os JEBs. No entanto, a realidade local ainda está muito aquém do necessário.

 

“Hoje, em Cruz das Almas, nós não temos escolas com aparelhagem adequada, com materiais adequados para fomentar as modalidades das artes marciais, principalmente o judô. Tenha certeza que eu acho que essa política tem que ser mudada, porque do jeito que tá, infelizmente não vamos chegar muito longe em conseguirmos grandes atletas, porque o esporte escolar cada dia que passa temos uma dificuldade maior dentro da escola, como eu já disse, não tem estrutura, não tem mesmo. A estrutura melhorou em alguns aspectos, mas muito pouco. Para termos um atleta de alto rendimento, temos que tirá-lo da escola e levá-lo para uma academia.”

 

Mesmo diante das dificuldades, Graças segue convicta da importância do que faz e do impacto do esporte na transformação social. “Eu não só acredito, como vivo isso há tantos anos: o esporte é uma transformação de vida. Já passaram por mim tantos jovens que hoje eu vejo quanto eles evoluíram para ser o que são, foi através do esporte. Eu consigo conciliar educação e esporte para transformar a vida de uma criança, de um adolescente e até de um adulto.”

 

A trajetória de Gabriel Cruz é a concretização dessa filosofia. Ele veio de um projeto social, venceu barreiras e hoje figura entre os principais nomes do judô estudantil brasileiro. Sua história, assim como a de muitos outros atletas orientados por Graças Marques, comprova que o esporte, quando aliado à educação e ao compromisso com a formação cidadã, é capaz de mudar destinos — mesmo quando as estruturas ainda resistem à mudança.

 

SONHO QUE COMEÇA NA ESCOLA
A trajetória do judoca Gabriel Cruz, de apenas 17 anos, sintetiza o que esse tipo de incentivo pode gerar quando aliado a persistência, disciplina e apoio técnico. Aluno da academia Assamaca, Gabriel desponta como uma das grandes promessas do judô nacional, com conquistas em torneios internacionais e o sonho próximo da convocação para o Mundial Cadete, que será disputado em agosto deste ano, em Sofia, na Bulgária.

 

A história de Gabriel no judô começou ainda na infância, com uma base simples, mas decisiva: o apoio que recebeu ao ingressar na Assamaca. “Eu comecei a treinar judô e minha vontade de fazer judô começou quando a Graça me apoiou, desde o início, falando que eu tinha um potencial grande, me levando para competições aqui na Bahia. Comecei a me destacar entre meus colegas e foi isso, meu interesse pelo judô começou quando eu comecei a competir”, disse o atleta.

 


Foto: Jéssica Tavares / Ascom Sudesb

 

Essa porta de entrada o levou rapidamente aos campeonatos escolares, e logo os pódios começaram a chegar. “Minha trajetória começou pelo JEB’s (Jogos Escolares Brasileiros), onde eu conquistei algumas medalhas e consegui evoluir para os Jogos da Juventude. Em 2023, eu conquistei uma medalha de campeão mundial no Rio de Janeiro. Em 2024, eu conquistei duas medalhas de bronze no Mundial Escolar lá no Bahrein. Inédito para a Bahia, para o Brasil e para o mundo, sendo o único atleta a conquistar duas medalhas em Mundial Escolar.”

 

Gabriel vê essas conquistas como marcos fundamentais na sua trajetória, mas também como prova de que ainda há muito a conquistar. “Eu tinha certeza que isso iria acontecer. Sempre acreditei em mim. Essas medalhas significam muito para mim porque é um passo a mais na minha carreira. Foi ali que eu vi que eu poderia ir mais longe”, declarou o jovem judoca.

 

O próximo objetivo do atleta baiano é justamente uma das etapas mais importantes da sua vida como atleta até o momento: representar o Brasil no Mundial Cadete. “Meu objetivo é continuar evoluindo ao nível nacional e internacional. Estou treinando muito para conquistar minha primeira convocação no Mundial Cadete, que vai acontecer no mês de agosto, em Sofia, Bulgária.”

 

Apesar da determinação, Gabriel também denuncia a ausência de políticas públicas no município que apoiem o esporte escolar de forma estruturada. “Infelizmente, na minha cidade, a gente não tem apoio, nem para o esporte escolar, nem para esporte nenhum.” Felizmente, ele é um dos beneficiários do programa “Faz Atleta”, do Governo do Estado da Bahia, o que tem sido essencial para manter o nível competitivo.

 

Para outros jovens que iniciam no esporte, seu conselho é direto: “Eu diria para os outros jovens que eles iniciem. Ao decorrer das suas trajetórias, as dificuldades serão superadas.”, conclui. 


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