Asteroide em rota de colisão? Como são calculadas as chances de impacto

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Imagine um pedregulho do tamanho de um prédio de 20 andares, viajando pelo espaço a uma velocidade de dezenas de quilômetros por segundo, em rota de colisão com a Terra. Parece cena de ficção, mas o asteroide 2024 YR4 tem chamado a atenção do público e da mídia por uma razão preocupante: há, de fato, uma pequena chance de impacto no futuro, em dezembro de 2032.

Diante disso, muita gente se pergunta: estamos realmente em risco? Como a ciência consegue prever esses eventos?

[ Tamanho do asteroide 2024 YR4 (entre 40 e 100 m) comparado à Catedral da Sé (92 m) e ao Cristo Redentor (38 m) – Créditos: Asteroid Day Brasil  ]

A resposta está nos números, nas observações e em cálculos astronômicos precisos edificados desde o século XVII. 

O método de cálculo de órbitas a partir de observações astronômicas tem sua origem há mais de 400 anos, com um dos grandes gênios da humanidade. Antes mesmo da invenção do telescópio, Johannes Kepler decifrou a mecânica do movimento planetário a partir de observações precisas de Marte feitas por Tycho Brahe. Kepler percebeu que os planetas do Sistema Solar descrevem órbitas elípticas, com o Sol em um dos focos da elipse. Pouco depois, Isaac Newton expandiu e formalizou o trabalho de Kepler ao desenvolver as Leis da Gravitação Universal, que forneceram as ferramentas matemáticas para calcular essas órbitas com precisão.

A formulação de Newton permitiu aos astrônomos, a partir das posições registradas de um planeta ou asteroide em pelo menos três momentos distintos, calcular a única elipse possível em que um objeto em órbita do Sol poderia passar naquelas posições, nos horários medidos. A partir disso, é possível determinar onde o objeto esteve ou estará em qualquer momento do tempo. Os cálculos são bem complexos, é verdade, mas precisos… ao menos em tese. 

[ Órbita do asteroide 2024 YR4 – Créditos: Reprodução Minor Planet Center ]

A computação e os processos cada vez mais automatizados facilitaram bastante esses cálculos, mas há um problema: nenhuma medição é perfeita. Sempre há uma margem de erro, e essa incerteza acumulada ao longo do tempo pode significar a diferença entre um impacto certeiro e uma passagem segura a milhões de quilômetros de distância. Imagine, por exemplo, que um asteroide está se aproximando da Terra em linha reta. Queremos determinar se ele vai atingir ou não o nosso planeta a partir de duas observações. Bom, tendo dois pontos, podemos traçar uma reta e, se esta reta cruzar o nosso planeta, significa que um impacto irá ocorrer. Parece fácil, mas se, invés de pontos bem definidos feitos com uma lapiseira 0.5, nós tivermos pontos feitos com um marcador de quadro branco?

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Por mais precisos e modernos que sejam, nossos telescópios enxergam os asteroides, se movendo entre as estrelas, como pontinhos borrados de luz, da mesma forma que  os pontos feitos pelo marcador. O tamanho desse ponto é o tamanho da imprecisão da medida. Mesmo que que ele ocupasse um único pixel na imagem, o tamanho desse pixel, a alguns milhões de quilômetros de distância, poderia representar uma imprecisão de vários quilômetros. Essa falta de precisão nos pontos medidos não nos permite traçar uma trajetória exata para o asteroide, mas sim um feixe de trajetórias possíveis que passam por esses pontos. E se alguma linha desse feixe passar pelo nosso planeta, então temos uma possibilidade de impacto.

[ Feixe de trajetórias possíveis para os pontos P1 e P2 – linhas cruzando a Terra indicam possibilidades de impacto – Créditos: Marcelo Zurita ]

Para determinar qual a chance disso acontecer, sistemas automatizados calculam milhares de órbitas possíveis para os asteroides observados próximos à Terra, considerando as medições enviadas e suas margens de erro, e verificam quantas dessas órbitas cruzam nosso planeta. Se, por exemplo, para cada 1000 órbitas calculadas, 21 atingem a Terra, então as chances de impacto serão de 2,1%, como é o caso do 2024 YR4, já há alguns dias. 

Inclusive, devido às chances superiores a 1% e o tamanho estimado em torno de 55 metros, o 2024 YR4 está, desde 26 de janeiro, classificado como nível 3 na escala de Turim, o maior nível já alcançado por um asteroide desde o Apophis, que causou alvoroço em 2004. 

A escala de Turim classifica o risco de impacto com base na probabilidade de colisão e no potencial destrutivo do asteroide. Essa escala é dividida em níveis de 0 a 10, onde o nível 0 indica que o asteroide não oferece nenhum risco significativo e 10 significa que a colisão é certa, e que tem potencial para causar destruição a nível global, podendo comprometer o futuro da humanidade. O nível 3, alcançado pelo 2024 YR4, indica que esse asteroide tem possibilidade de impacto superior a 1% e potencial para causar uma destruição localizada. Se atingisse a Terra sobre uma cidade, por exemplo, poderia causar muitas mortes e sérios prejuízos para a infraestrutura urbana. E agora?? Quem poderá nos defender???

[ Escala de Turim – Créditos: Looxix / wikimedia.org ]

“Palma, palma, não priemos cânico!” A matemática continua sendo nossa melhor aliada. E antes de qualquer atitude precipitada, os cientistas buscam refinar a trajetória do asteroide da única forma possível: rastreando o objeto e adicionando mais dados observacionais aos cálculos. Usando o nosso exemplo anterior, se adicionarmos mais pontos ao nosso gráfico, mais estreito ficará o feixe de possibilidades, aumentando a precisão da trajetória. 

Para a imensa maioria dos casos, o refinamento da órbita leva à eliminação das chances de impacto. Mas durante esse processo, é possível que as chances aumentem antes, caso a Terra permaneça dentro do feixe de possíveis órbitas enquanto ele se estreita. 

E se um asteroide estiver realmente em rota de colisão, o que podemos fazer? A missão DART da NASA demonstrou que é possível alterar a trajetória de um asteroide por meio de um impacto cinético. Outras estratégias incluem o uso de explosivos nucleares (a opção menos preferida, devido aos riscos envolvidos) ou até mesmo a evacuação das áreas possivelmente afetadas. A escolha da melhor estratégia depende do tamanho, da composição e da trajetória do objeto, mas principalmente, do tempo disponível para agir.

E no caso do 2024 YR4, os cientistas já calcularam o chamado “corredor de risco”, que é a região da Terra cortada pelo feixe de possíveis órbitas do asteroide, ou seja, onde é possível que ele nos atinja. No momento, os esforços dos programas de busca, dos principais observatórios do mundo e até mesmo do James Webb, estão concentrados no refinamento da órbita do 2024 YR4, para determinar se ele pode realmente atingir nosso planeta e caso sim, calcular com antecedência, onde exatamente isso ocorrerá. Já sabemos que seu poder de devastação é limitado, então, apenas se ele vier em direção a alguma região habitada do planeta, que alguma ação se fará necessária.

[ Corredor de risco para o 2024 YR4 – Créditos: Daniel Bamberger ]

Por enquanto, ele tem 98% de chances de errar a Terra. Mas a história do 2024 YR4 nos lembra da importância de vigiarmos cada vez mais o nosso céu para que possamos estar preparados para esses perigos que vêm do espaço. Embora as possibilidades sejam baixas, graças às bases edificadas por Kepler e Newton e aos esforços observacionais de cientistas de todo o mundo, se este asteroide atingir nosso planeta, certamente estaremos bem preparados para isso.

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