Atas das reuniões do Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI) de Previdência e Assistência Social encaminhadas pelo Ministério Público Federal (MPF) à CPMI do INSS revelam cobranças sucessivas ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sobre ações contra descontos indevidos em benefícios de aposentados e mais uma protelação do órgão frente a esses questionamentos.
Mesmo diante da pressão de órgãos de controle, o INSS apresentou respostas parciais ao longo dos anos em que participou do grupo sobre medidas que poderiam barrar uma série de irregularidades nos Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados com entidades associativas e que estão no centro de investigações da “farra do INSS” revelada pelo Metrópoles.
A falta de resposta concreta para estancar as irregularidades nos descontos de beneficiários começou desde o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) até o atual governo Lula (PT).
Criado em 2018 por meio de portaria da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, o GTI reunia representantes do MPF, do INSS, do Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU), da Defensoria Pública da União (DPU), da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério da Previdência.
O objetivo era acompanhar diversos gargalos da Previdência e Assistência Social – não apenas os descontos indevidos – e propor medidas conjuntas para corrigir falhas sistêmicas.
As reuniões contaram com a participação de servidores do INSS, alguns investigados na Operação Sem Descontos, da Polícia Federal (PF), como o ex-diretor de Benefícios do instituto André Fidelis e o procurador-geral do órgão, Virgílio Ribeiro de Oliveira Silva.
O tema específico dos descontos associativos surgiu nas reuniões ainda em 2020. Na época, em uma das reuniões, datada de 30 de julho daquele ano, o então diretor de Benefícios, Alessandro Roosevelt, explicou do que se tratava tais descontos.
Já nessa reunião, há cerca de 5 anos, foi mencionado que, “em 2018, existiam muitas denúncias relacionadas a descontos não autorizados pelos segurados”.
O INSS, porém, repetidamente não deu uma resposta concreta e apresentou justificativas técnicas, prometeu ajustes futuros ou alegou depender de outras instâncias para implementar soluções contra os descontos.
Em reunião de 19 de agosto de 2020, outro representante do INSS também foi indagado sobre uma contextualização acerca dos ACTs para descontos de mensalidades associativas. Na sequência, foram apresentadas propostas contidas em uma minuta de Instrução Normativa (IN) para regulamentação do tema.
Na data, uma representante da DPU chegou a relatar que a defensoria já havia recebido “muitas reclamações de aposentados que não teriam conhecimento dos benefícios a que tinham direito como associados, bem como relatos de dificuldades para se desvincular das associações” e apresentou sugestões para a instrução normativa que vinha sendo gestada.
A cobrança sobre o andamento da minuta foi reiterada em outro encontro, em 25 de novembro daquele ano, quando o INSS afirmou que, em decorrência de recente alteração em decreto, a minuta de IN apresentada ao GTI foi dividida em duas: uma para tratar da revalidação das inscrições e a outra para definir os critérios para que as entidades associativas firmem os ACTs com o INSS.
O MPF ressaltou à época a necessidade de dar encaminhamento à questão, sugerindo que fosse estabelecido um cronograma para a elaboração da instrução normativa, além de solicitar do instituto uma lista com os ACTs vigentes na época.
A instrução normativa foi mencionada novamente em 26 de maio de 2021, quando o MPF indagou sobre as atualizações no texto. O INSS, no entanto, informou que vinha sendo feito trabalho no sentido de “não ocorrer descontos realizados sem a devida autorização do segurado”, pontuando que novas autorizações já estavam sendo realizadas em novo modelo e que a questão pendente seria avaliar o “legado passado”.
Informou ainda que estava prevista reunião com as entidades para apresentação da minuta da norma que regulamentaria a relação delas com o INSS.
Em 17 de novembro daquele ano, houve novas cobranças sobre a instrução normativa, que ainda não havia sido publicada. O representante do INSS informou, na época, que a minuta havia sido analisada pela Procuradoria Federal e ainda estavam “sendo realizados os ajustes propostos pelos procuradores”.
O assunto da minuta voltou à baila em 2022. Em reunião do grupo dia 3 de agosto de 2022, quando o INSS disse que a proposta cobrada estava ainda em fase de adaptações, além de necessitar da aprovação no Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS).
Questionado se na reunião seguinte o texto já estaria aprovado, o instituto afirmou que a instrução “ainda depende de algumas alterações”.
Justificativa similar foi dada pelo órgão meses depois, em 4 de novembro de 2o22, quando o INSS relatou a “não concordância” das entidades quanto à normativa. Foi ponderado pelo MPF, no entanto, que, mesmo sob discordância das associações, o INSS poderia editar uma instrução, além de ser questionado se havia, no texto, previsão de fiscalização dos ACTs – o que foi respondido de forma positiva.
As reuniões continuaram em 2023, mas o foco não ficou sobre os descontos, e o tema voltou a aparecer nas pautas do GTI com mais intensidade no ano seguinte, em 2024.
Em um dos primeiros encontros daquele ano, em 3 de abril, o MPF apontou que o tema era “objeto de preocupação” no órgão, uma vez que existiam procedimentos em tramitação nas diversas Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
Nesse momento, o Metrópoles já havia iniciado as publicações que deram origem ao escândalo.
No encontro, a DPU também relatou preocupação similar. Disse que o tema dos descontos associativos “inquieta muito a defensoria” e questionou se existiam diligências para conferir os “serviços efetivamente prestados” pelas associações.
O INSS, representado por André Fidelis – demitido após as matérias do Metrópoles –, pontuou algumas medidas adotadas pelo órgão para melhor controlar os Acordos de Cooperação Técnica com as associações, como a realização de diligências externas para verificar a efetiva existência das entidades e a exigência de laudo do corpo de bombeiros, de fotografia, da planta arquitetônica, além de fotos de eventos anteriores.
Ele também afirmou que o INSS fiscaliza as associações quando há “denúncias”, reportagens, entre outros, e informou que havia, na época, seis processos de fiscalização em andamento para dar andamento a apurações.
No mês seguinte, em 8 de maio de 2024, foi realizada uma reunião extraordinária somente para tratar sobre os descontos associativos. Na oportunidade, Fidélis esclareceu que a partir daquele mês, em função de determinação do INSS, não seriam operacionalizados novos descontos até a implantação das medidas previstas na instrução normativa – a biometria, por exemplo.
A Dataprev também informou que como medida de prevenção, determinou-se o bloqueio geral de benefícios concedidos anteriormente a setembro de 2021.
Como mostrou a coluna, foi durante essa reunião que, ao ser questionado acerca do que desencadeou o aumento exponencial de descontos, a partir de junho de 2022, Fidélis, então diretor de benefícios do órgão, afirmou que seria por causa de um “crescimento do mercado”.
Ao mesmo tempo, a DPU pontuou que os canais para registro de reclamações sobre o tema eram falhos, considerando o baixo número de reclamações oficiais, “o que não condiz com a prática”. Fidélis, segundo o registro, concordou com a necessidade de aprimoramento do canal.
Passados alguns meses, em 9 de outubro de 2024, o INSS, representado por Vanderlei Barbosa dos Santos, outro dos citados na Operação Sem Desconto, relatou as providências adotadas em decorrência das auditorias concluídas e em andamento.
Ele também informou a edição da Portaria nº 51, de 4 de setembro de 2024, que disciplina os procedimentos para acompanhamento da execução dos Acordos de Cooperação Técnica, firmados com entidades associativas para operar as averbações.
Consta na ata da reunião, contudo, que, questionado pela CGU, pela DPU e pelo MPF sobre as medidas adotadas em relação aos descontos indevidos, implementados anteriormente e então ainda em vigor, o INSS informou que estava analisando a instituição do “revalida”, no qual todas as adesões seriam revalidadas pelo segurado.
Em resposta a questionamento da CGU sobre a entrega do sistema de descontos associativos com biometria, pela Dataprev, que estava prevista para setembro de 2024, Vanderlei informou que a versão apresentada inicialmente não atendia a todos os requisitos da Instrução Normativa nº 62 e que já estavam trabalhando nos ajustes.
A CGU destacou que, no curso da auditoria realizada, 97% das 1.300 pessoas entrevistadas afirmaram que não autorizaram o desconto associativo. Referiu que ao menos 8 entidades que têm termo de cooperação técnica firmado com o INSS não enviaram os documentos solicitados pela CGU. “Os mesmos documentos foram solicitados ao INSS, que também não os enviou”, afirma a ata.
Já no fim de 2024, em 4 de dezembro de 2024, a DPU reiterou, por meio de ofício, o pedido de revalidação dos descontos associativos anteriores à IN nº 162/2024, diante do elevado número de cobranças sem autorização dos beneficiários.
O INSS informou que o tema ainda aguardava decisão do TCU. Já a CGU reforçou a importância da revalidação, destacou que não haveria ônus para o INSS nem para os aposentados e solicitou um cronograma, lembrando que o assunto vinha sendo discutido no GTI desde maio de 2024.
O INSS acrescentou que a Dataprev estava aprimorando o sistema de biometria, com conclusão prevista para 20 de dezembro daquele ano, que seria implantada a exclusão automática dos descontos associativos, permitindo novos apenas com autorização expressa do beneficiário.
Ao fim do encontro, ficou decidido que o INSS deveria apresentar cronograma de revalidação dos descontos antigos, assim como comunicar oficialmente as melhorias do sistema da Dataprev.
As discussões seguiram em 2025, quando ficou decidido que os descontos associativos seriam uma pauta permanente do grupo. Poucos meses depois, uma das reuniões coincidiu com a deflagração da Operação Sem Desconto, em 23 de abril deste ano.
Na data, o INSS informou que foi implantado de forma definitiva o modelo biométrico pela Dataprev, em vigor desde março. Dessa forma, para averbar os novos descontos associativos, seria necessário passar pelo registro biométrico do segurado ou pensionista.
A Procuradoria Federal Especializada (PFE) apontou para a necessidade de criação de um fluxo entre PFE e INSS sobre as entidades mais problemáticas.
Na última reunião registrada nos documentos enviados à CPMI do INSS, em 11 de junho, o Ministério Público Federal reforçou decisão do procurador-geral da República designando a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a 5ª CCR (que cuida de improbidade administrativa e matéria penal) para tratar do tema – motivo pelo qual os descontos associativos indevidos não seriam mais tratados no âmbito do GTI.
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