O estado da Bahia foi palco de 171 conflitos no campo em 2024. É o que afirma o relatório Conflitos no Campo Brasil, levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado na última quarta-feira (23). Os conflitos do campo, considerado pelo levantamento, dizem respeito as violências contra a ocupação e a posse da terra, o que inclui despejos e expulsões, ameaças de despejos, grilagem, invasões e outras violências.
Segundo o levantamento, em todo o Brasil, fazendeiros são os principais agentes causadores da violência nestas regiões. A Comissão Pastoral da Terra é uma entidade cristã, vinculada ao catolicismo, que atua na fiscalização das violações de direitos contra os trabalhadores e povos do campo, incluindo ribeirinhos, sem terra, quilombolas, indígenas, pequenos proprietários e outros grupos.
No cenário nacional, a Bahia é o terceiro estado com maior número de conflitos no último ano, atrás apenas do Maranhão, com 420 conflitos registrados; e Pará, com 314 conflitos. No relatório, são registradas “situações de disputas em conflitos por terra, pela água, conflitos trabalhistas, em tempos de seca, conflitos em áreas de garimpo e conflitos sindicais”, diz o documento.
VIOLÊNCIA NOS CONFLITOS
O relatório da Comissão ainda ilustra o cenário da violência em meio aos conflitos no campo. Na Bahia, os conflitos provocaram a morte de uma pessoa, sendo ela a professora e líder indígena Nega Pataxó, morta em um ataque de fazendeiros em Potiraguá, no sul baiano, no dia 21 de janeiro.
Sepultamento da Nega Pataxó, em janeiro de 2024 | Foto: Arquivo / Agência Brasil
A CPT registrou ainda uma morte “em consequência” dos conflitos e 69 registros de pessoas ameaçadas de morte. As ameaças ocorreram em 13 ações de 8 municípios diferentes, sendo eles: Barra, na região do Velho Chico, com um total de 17 quilombolas, do mesmo quilombo, ameaçados em dois casos distintos; Correntina, no oeste baiano, com três comunidades de camponeses de fundo e fecho de pasto – grupo tradicional de pequenos proprietários – sendo ameaçadas, totalizando 48 denúncias; Eunápolis, com dois casos envolvendo duas pessoas assentadas.
Em Itabela, na Costa do Descobrimento, houve o registro de uma pessoa sem terra ameaçada; Lauro de Freitas, na região Metropolitana de Salvador, onde dois quilombolas da comunidade de Quimgoma foram ameaçados; Porto Seguro, também na Costa do Descobrimento, com caso único de um indígena ameaçado; Santa Maria da Vitória, no oeste baiano, com um camponês de fundo de fecho de pasto ameaçado; e Souto Soares, na Chapada Diamantina, em um caso onde 12 camponeses foram ameaçados.
Outras quatro pessoas foram presas e três agredidas em meio as tensões no campo no ano de 2024.
EIXOS DO CONFLITO
Metodologicamente, o estudo segmentou os conflitos no campo em três eixos, sendo eles Terra, Água e Conflitos Trabalhistas. No Eixo Terra, são registrados conflitos relacionados a “resistência e enfrentamento pela posse, uso e propriedade da terra e pelo acesso aos recursos naturais”, além de ocupações/retomadas e formações de acampamentos.
No Eixo Água, são contabilizadas “ações de resistência que visam garantir o uso e a preservação das águas; contra a apropriação privada dos recursos hídricos, contra a cobrança do uso da água no campo, e de luta contra a construção de barragens e açudes”. São contabilizadas ainda ações contra mineração.
No que diz respeito ao Eixo de Conflitos Trabalhistas, constam os casos de trabalho escravo e superexploração, e ainda manifestações trabalhistas, como greves. Todas as informações constam no Gaia, um banco de dados alimentado pelas secretarias regionais da CPT.
Foto: Ministério Público do Trabalho
Na Bahia, assim como na maioria dos estados, os conflitos em torno da terra são a maioria: cerca de 78,9% dos 171 casos de conflitos, um total de 135 casos. Os conflitos envolveram camponeses de fundo e fecho de pasto, quilombolas, indígenas e sem terra. As ocupações e retomadas de terra foram 9 em 2024.
Ao todo, 21 municípios protagonizaram as disputas, porém, juntos, os cinco principais municípios já agrupam quase um terço (32,5%) dos registros. São eles: Correntina, no oeste baiano, com 19 conflitos; João Dourado, na região de Irecê, com 7 registros; Barra, no Velho Chico, com 6 conflitos; e Santa Maria da Vitória, também no oeste baiano, e Uibaí, também na região de Irecê, ambos com 6 registros, cada um.
Em seguida, no Eixo Água, foram 22 conflitos em 14 municípios baianos, em sua maioria relacionados a diminuição do acesso à água. Os municípios em questão são: Correntina (10 casos); Barreiras e São Desidério (1 caso conjunto); Belmonte, Canavieiras e Una (1 caso conjunto), Caetité (1), Itaetité (1), Lençois (1), Piatã (2), Pindaí (1), Salvador (1), Simões Filho (2) e Taperoá (1).
No que diz respeito aos Conflitos Trabalhistas, a CPT contabilizou 5 ações, envolvendo um total de 27 trabalhadores, nos municípios: de Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina, com 2 casos relacionados a lavouras de fibra do sisal – fibra biodegradável derivada do sisal, tradicional da região semiárida; Nazaré, no Recôncavo baiano, em um caso envolvendo criadores de gado de corte; Ituaçu, no sertão produtivo, em um caso envolvendo uma lavoura de café; e Ibititá, na região de Irecê, com um caso também relacionado a lavouras de fibra do sisal.
A Comissão Pastoral da Terra chamou a atenção ainda para a formação, na Bahia, de um movimento ruralista chamado “Invasão Zero”. Segundo o relatório, o grupo, “composto por grandes fazendeiros e proprietários de terras, notabilizou-se por ações violentas contra famílias em acampamentos, ocupações e retomada de territórios” em todo o Brasil”, escreve a CPT.
No ano em que comemora um jubileu de 50 anos, a entidade homenageou os primeiros colaboradores do projeto de documentação de conflitos, iniciada em 1985, 10 anos após a fundação da Comissão.