Câmeras escondidas e escutas flagram milícia de PMs no centro de SP

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Câmeras escondidas e escutas flagram milícia de PMs no centro de SP
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São Paulo — Às 2h da manhã, no bairro do Brás, famoso reduto de comércio popular no centro de São Paulo, Kelen Batista, diretora de uma cooperativa de vendedores da região, andava entre as barracas abordando seus donos. Acompanhada de cinco homens armados, ela media com uma trena os espaços ocupados pelos camelôs nas ruas e exigia dinheiro para que eles pudessem permanecer no local.

Toda a ação foi filmada por agentes disfarçados em investigação conjunta da Corregedoria da Polícia Militar (PM) e do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público (MPSP). Em dezembro passado, eles deflagraram uma operação que prendeu 15 pessoas, entre as quais três PMs da ativa, três reformados e uma escrivã da Polícia Civil — todos foram denunciados por formarem uma milícia em parceria com a cooperativa de Kelen para extorquir comerciantes do Brás.

O Metrópoles teve acesso com exclusividade ao conteúdo da apuração. Câmeras escondidas, escutas ambientais e grampos telefônicos feitos pelos investigadores registraram flagrantes da atuação da milícia do Brás. No mês passado, três sargentos e um cabo da PM se tornaram réus na Justiça Militar por suposto envolvimento no esquema.

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Policiais e investigada são flagrados extorquindo comerciantes do Brás, no centro de SP

Reprodução/MPSP
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Acusada de integrar milícia usava caderneta para registrar pagamentos ilícitos

Reprodução/MPSP
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Investigados cobravam dinheiro principalmente de ambulantes estrangeiros

Reprodução/MPSP
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PM Humberto de Almeida Batista em meio a incursão de investigadores em área de milícia

Reprodução/denúncia

 

Segundo promotores do Gaeco, o grupo se aproveitava do fato de que região é lotada de comerciantes estrangeiros em situação irregular no Brasil e exigia taxa para que eles montassem barracas nas ruas do Brás. Ainda de acordo com a investigação, a Cooperativa de Trabalho dos Profissionais do Comércio Solidário do Brás (CoopsBrás), comandada pelo marido de Kelen, era uma fachada para fazer parecer que as vítimas estavam apenas se associando à causa do comércio local.

A milícia é acusada de cobrar R$ 15 mil por ano e até R$ 400 por mês dos ambulantes. Quando as vítimas deixavam de pagar, eram encaminhadas pelos PMs para os agiotas, que cobravam juros de 20% ao mês. Segundo um coronel da Corregedoria da PM, um dos policiais atuava, inclusive, cobrando as dívidas contraídas pelos vendedores com agiotas para pagar a extorsão.

Quando não quitavam a dívida, os mesmos policiais da milícia eram contratados pelos agiotas para exigir os valores do empréstimo.

“A informalidade do comércio e a presença de grande quantidade de imigrantes em situação irregular de permanência no país, fazem com que os comerciantes temam ter seu meio de sustento retirado, facilitando sua submissão às organizações criminosas que atuam na região, que contam, em sua maioria, com a participação de policiais militares e civis”, afirma a Promotoria na denúncia.

Testemunhas protegidas

A investigação partiu do depoimento de comerciantes que denunciaram o caso como testemunhas protegidas à Corregedoria da PM. Um desses relatos, por exemplo, menciona que um vendedor equatoriano foi visitado em sua residência, no bairro do Canindé, pelo policial militar José Renato Silva de Oliveira. Ele teria dado chutes e pontapés na vítima e roubado R$ 4 mil. Na ocasião, segundo a testemunha, o PM estava a serviço de um agiota.

Em outra data, esse mesmo depoente afirmou que o PM fazia parte de um grupo de seguranças que acompanhavam Kelen Batista e seu marido, Peterson Ribeiro Batista, conhecido como “Tetinha”, que é presidente da CoopsBrás, a cooperativa que extorquia vendedores na região com a ajuda do braço armado de PMs.

Quando a polícia fez buscas e apreensões na sede da cooperativa, foram encontradas planilhas recheadas de nomes de vendedores estrangeiros associados a valores cobrados pela associação. A propina tinha até comprovante, porque as entidades emitiam notas de contribuição para justificar que as vítimas estavam pagando uma espécie de taxa sindical.

Segundo o Ministério Público, além do cabo José Renato, os sargentos da PM Wellington Stefani e Humberto de Almeida Batista, a escrivã Viviane Letícia Felix Trevisan, da Polícia Civil, e os PMs reformados Maurício Oliveira de Souza e Sergio Ferreira do Nascimento faziam parte do braço armado da CoopsBrás.

Câmeras escondidas

O grupo foi flagrado extorquindo ambulantes por câmeras escondidas usadas pelos investigadores. Em diversas imagens, uma mulher chamada Paloma Bueno, que fazia parte de um dos grupos que achacavam vendedores, aparece com um caderninho em mãos fazendo cobranças dos comerciantes. Dois policiais são flagrados com ela.

Em uma das diligências, investigadores acompanharam pelas ruas do Brás uma das investigadas que passava pelas barracas cobrando a taxa de proteção quando começaram a ser seguidos pelos milicianos. No fim daquele dia, a equipe de investigadores se reunia em um bar para trocar informações sobre a incursão quando os homens armados começaram a passar ao lado, mostrando pistolas na cintura.

As filmagens feitas pelos investigadores foram corroboradas por grampos telefônicos que flagraram policiais conversando com integrantes das associações sobre cobranças, vendedores endividados e até mesmo rixas entre os diversos grupos que extorquiam os comerciantes.

Grampos

Em um dos áudios, o PM reformado Ferreira reclama de um grupo rival que ofereceu um valor menor de extorsão a uma comerciante. “O cara sempre pagou a gente e nunca teve nada a ver com o Ronei. Aí ela foi pedir pinico pra ele, se entendeu, pra pegar e vir com essa ideia. Então o que acontece, ela tava pagando R$ 460, a gente colocou pra R$ 400, aí ela passou da data, começou pagar fora da data, entendeu?”, disse.

Ronei Rodrigues da Cruz, mencionado pelo policial, é um dos homens denunciados por ser líder de uma das milícias da região. Ele é do Sindicato dos Camelos Independentes de São Paulo, aparentemente rival da cooperativa.

Em conversa com uma das líderes das associações, o PM José Renato também reclamava das disputas na região. “Então, ainda não sei, ainda não tengo certeza, porque ali na Elisa, temos a questão de um nuevo cabrón, que está a atrapajar nosso andamento”, disse, em um português misturado com espanhol.

A reportagem não localizou a defesa dos acusados. O espaço segue aberto para manifestações.

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