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Dia Mundial do Judô: Academias mais antigas de Salvador celebram tradição e legado de seus mestres

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Com mais de 2 milhões de praticantes, o judô é uma das modalidades mais importantes do esporte de alto rendimento brasileiro. Na Bahia, o esporte se consolida como uma prática de longa tradição, presente em academias, escolas e projetos sociais que formam atletas e cidadãos.

 

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Nesta terça-feira (28), em que se comemora o Dia Mundial do Judô, o Bahia Notícias conta a história das academias de judô, ou dojôs, mais antigos de Salvador e remonta a história de consolidação do esporte em todo o estado. 

 

PIONEIRISMO E RESISTÊNCIA
A história do judô na Bahia começa a ser escrita por causa de uma das academias mais tradicionais do estado: o Clube Itapagipano de Judô, fundado em 1º de maio de 1966, antes mesmo da Febaju, na Baixa do Bonfim, em Salvador. Criado por Francisco Magalhães Pinto, conhecido como Mestre Ciro, o dojô é considerado um dos mais antigos, se não o mais, em funcionamento na capital baiana e completa 60 anos de atividade em 2026.

 

Ao BN, o filho do fundador, Ciro Carvalho Pinto, de 64 anos, relembra o início da trajetória que o liga ao esporte desde a infância. “Hoje tenho 64 anos, mas a minha trajetória no judô se iniciou com cinco anos, quando meu pai fundou o Clube Itapagipano de Judô. Eu e o meu irmão mais velho, Cristóvão, fomos as primeiras crianças a participar dos treinos. Eu com cinco e ele com seis anos. De lá para cá são 59 anos, no ano que vem, o clube, fundado em 1966, completa 60 anos”, conta.

 


Foto: Arquivo / Clube Itapagipano de Judô

 

Sobre o título de pioneiro ou mais antigo dojô da Bahia, Ciro, ou “Cirinho”, como muitas vezes é chamado por conta da correspondência nominal com o pai, conta que a referência se dá pela tradição e continuidade do Clube. 

 

“A nossa academia é uma das mais antigas em funcionamento. O nosso dojô está em atividade com uma história de formação e um lema em prol da educação desde 1966. É um título justamente por ainda estarmos em plena atividade. Mas de academias antigas tivemos muitas outras que não funcionam mais”, afirma Ciro.

 

O dojô foi um dos primeiros espaços voltados exclusivamente ao judô na capital baiana, tendo sido fundado antes mesmo da criação da Federação Baiana de Judô (Febaju). Instalado em um ponto tradicional da Península Itapagipana, o clube mantém suas atividades no mesmo endereço desde sua fundação. 

 

“Estamos localizados na Rua Otávio Barreto, nº 15, uma rua que fica paralela à Baixa do Bonfim. O meu pai escolheu essa área na Península Itapagipana, por isso ele colocou o nome de Clube Itapagipano de Judô, porque, na época, ele achou muito bom, muito pitoresco, e não tinha nenhuma atividade desse tipo aqui nessa região”, explica.

 

Com mais de meio século de história, o Clube Itapagipano mantém viva a proposta original de aliar a prática esportiva à formação humana. Hoje, o dojô segue em pleno funcionamento e reúne diferentes gerações de praticantes. 

 

“Atualmente, funcionamos em uma área própria que fica em cima da casa de meus pais. Lá temos alunos de 3 anos em diante, com turmas pela manhã, pela tarde e pela noite. Temos uma média de 70 alunos em atividade com a gente. Hoje temos filhos e netos de alunos, mantendo a tradição”, relata Ciro.

 

Em Salvador, a academia se consolida como um símbolo da longevidade e do legado do judô baiano, formando atletas e cidadãos desde 1966. Uma das iniciativas para a manutenção desse propósito e legado foi o lançamento, em 2022, de uma biografia de relatos do mestre Ciro. Ele conta que a iniciativa partiu dos próprios alunos. 

 


Francisco Magalhães Pinto, conhecido como Mestre Ciro, fundador do Clube Itapagipano de Judô e seu filho, Ciro Carvalho Pinto, atual dirigente da academia. Foto: Arquivo 

 

“A iniciativa foi dada pelos alunos antigos dele. O professor Ciro é do Ceará, foi criado no interior do Ceará, onde ele começou a aprender as artes marciais através de livros, revistas e tudo. Então esse livro foi para criar uma memória do professor Ciro, que hoje completou 90 anos esse ano, e está aqui entre nós ainda. A gente precisava contar um pouco dessa história”, conta o filho. 

 

Às vésperas de completar seis décadas de existência, o Clube Itapagipano de Judô mantém viva a filosofia de respeito, disciplina e educação que marca a modalidade. “A gente procura criar esses seres humanos com base em dois aspectos que se chamam ‘Jitakyo-Ei’ e ‘Seiryoku Zenyo’, em japonês. O ‘Jitakyo-Ei’ é o trabalho de si em próprio. Da comunidade, do bem-estar de todos, e ‘Seiryoku Zenyo’, que é o mínimo esforço com uma máxima eficiência. É nisso o trabalho, é nisso que a gente se baseia nos fundamentos, filosofias e tudo do judô.”

 

Ciro conta que o principal intuito Clube não é apenas o rendimento dos atletas, ainda que muitos tenham se profissionalizado e conquistado títulos nacionais e internacionais. 

 

“Atuamos sempre lembrando que o judô não é apenas um esporte sobre cair, levantar, derrubar, lutar, vencer ou perder. É justamente a parte mais elaborada do ser humano, é fazer com que ele seja um vencedor de si mesmo e não do mundo”, conclui o gestor. 

 

TRADIÇÃO E POTÊNCIA EM BROTAS 
A Associação Judô Katas, localizada no bairro de Brotas, também é uma das mais tradicionais de Salvador ainda em funcionamento. Fundada em 11 de abril de 1981 pelo Grão Mestre Carlos Lopes, a instituição atua na localidade de Matatu, e comemorou este ano os seus 44 anos de história, que ainda mobiliza jovens e adultos da região por meio da sua atuação na educação. 

 


Foto: Arquivo / Associação Judô Katas

 

O Bahia Notícias conversou com o professor e judoca Adenilson Alves, de 47 anos, que foi um dos alunos do mestre Carlos. Com 36 anos de prática e 18 anos de atuação na Associação Judô Katas, ele conta que a história da academia onde Adenilson ensina também está ligada ao espírito solidário do seu fundador. “A Associação Judô Katas foi criada pelo mestre Carlos Lopes. Ele tinha um espaço, então decidiu criar a associação. Ele limpou o terreno e construiu o lugar onde ele ajudou muitas pessoas. Acredito que ele fez a associação mais com o intuito de ajudar do que visar valores financeiros”, recorda.

 

A segunda academia mais antiga de Salvador, a Katas ajudou a formar uma geração de professores que mantêm viva a tradição do esporte em Salvador, unindo técnica, educação e valores que fazem do judô uma das modalidades mais formadoras do país. “Ele atuava como professor de educação física em escolas públicas, então, esses alunos ele levava para associação, e não cobrava nenhum valor, nenhum custo das crianças envolvidas. E a Judô Katas foi crescendo em uma grande proporção e hoje tem esse nome marcado na Bahia, por ter vários títulos baianos e sempre trouxe resultados expressivos” 

 

“A Judô Katas hoje vive muito também pelo nome [a reputação] e história do professor Carlos Lopes”, explica Ademilson. Sendo um dos principais responsáveis pela gestão da academia após o falecimento do Grão-Mestre, o judoca destaca que “hoje os alunos já me veem como um professor, um formador, um amigo”, e essa relação espelha os principais valores da Associação. 

 


Foto: Arquivo pessoal

 

“Assim como o meu professor foi minha referência, e ainda é minha referência, mesmo não estando em vida, nós mantemos ainda esse tradicionalismo, a valorização desse respeito,  da educação, da disciplina, da socialização com a família. Mantemos isso porque eu mesmo acredito no que ele deixou”, reforça. 

 

Atualmente, a Associação atende a cerca de 120 alunos em 08 turmas e, segundo Ademilson, a relação com a comunidade ainda é considerada uma prioridade para a entidade. “A Judô Katas começou justamente mais com o olhar de ajudar as pessoas e trabalhar com crianças de um bairro que é tão grande como o bairro de Brotas. E que é sub-dividido por sub-bairros como temos Matatu, Luiz Anselmo, Vila Laura, Engenho Velho de Brotas, Acupe de Brotas, então toda essa área tem muitas famílias usufruíram e usufruem até hoje desse espaço e dessa academia”, afirma. 

 

E a garantia de manter o espaço aberto para a comunidade por meio do trabalho social também se mantém mesmo após quatro décadas de atuação. “Assim como o sensei Carlos Lopes pegava alguns alunos das escolas públicas para trazer para a Associação para treinar, a cada dois ou três anos, a gente abre vaga para algumas escolas públicas para selecionar entre 10 e 15 alunos, e abrimos uma turma só para eles”, conta. “Isso acontece a cada dois anos porque precisamos de ajuda ou apoio de empresas que possam arcar com algumas despesas, com pelo menos os kimonos, uma ajuda de custo para o professor, mas o aluno em si não paga nada.”

 

Para Ademilson, o esforço da Judô Katas é para que “esses alunos se mantenham e possam realmente seguir carreira, seja como atleta, ou como um profissional da área, um professor judô ou até mesmo fazer investimento para entrar em uma faculdade, para fazer o curso de preferência”, completa o professor.

 

GESTÃO DE GRANDEZA
E para manter viva estas e outras tradições no judô baiano, o presidente eleito da Federação Baiana de Judô (Febaju), Salvatore Puonzo, destacou, em entrevista ao BN, que a principal função da Febaju é fomentar, divulgar, promover e capacitar o judô em todo o território baiano.

 

Segundo o dirigente, a entidade atua na realização de cursos, treinamentos e competições voltadas tanto para o alto rendimento quanto para a iniciação esportiva. “A nossa missão é divulgar a modalidade mais vitoriosa do país. O judô tem a maior quantidade de medalhas olímpicas do Brasil”, ressaltou.

 

Com uma estrutura que abrange diferentes regiões do estado, a federação organiza de dois a três eventos mensais, que vão desde torneios escolares até capacitações e treinamentos regionais. “A Bahia é muito grande, e por isso contamos com vice-presidentes regionais que trabalham junto à Febaju para fomentar o esporte em suas áreas”, explicou Puonzo.

 


Evento da Febaju na cidade de São Francisco do Conde neste domingo (26). Foto: Reprodução / Redes sociais

 

O gestor deu detalhes sobre a dimensão da prática esportiva na Bahia. “Nós temos cerca de 11.744 judocas cadastrados em todo o nosso estado, porém, eu acho que o universo ultrapassa cinco vezes mais o número [registrado]”, conta. Ele explica que os judocas contabilizados são atletas, praticantes amadores, técnicos, juízes e dirigentes de academias. “E também temos 138 associações cadastradas e estamos presentes em 112 municípios”.

 

Com a expansão da modalidade, presente em mais de um quarto dos municípios baianos, Salvatore destaca que “a Federação Baiana de Judô hoje é tida como uma das maiores federações do estado da Bahia”. Ele explica que parte desse trabalho é incentivar a prática do judô na Bahia. “A nossa função é focar na área técnica, tanto na capacitação dos nossos professores, como no fortalecimento dos nossos atletas.” “O judô, por si só, é o esporte mais vitorioso do nosso país e nós estamos conseguindo chegar forte a nível nacional e a nossa intenção é ter o atleta olímpico [baiano] que nós nunca tivemos”, completa. 

 

Em conversa com o Bahia Notícias, o presidente da Federação Baiana de Judô (Febaju), Salvatore Puonzo, refletiu sobre a dimensão formativa do judô. Para ele, a prática ultrapassa os tatames e se transforma em um instrumento de educação, disciplina e construção de valores. “O judô é muito mais do que uma modalidade esportiva ou uma arte marcial. É uma filosofia de vida. É reconhecido pela Unesco, pela Unicef e pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) como o esporte mais adequado para crianças e adolescentes”, destaca.

 

Segundo o presidente da Febaju, a filosofia do judô é sustentada por um tripé fundamental: respeito, educação e caráter. Esses princípios, afirma, fazem da modalidade uma ferramenta poderosa na formação cidadã. “Tudo que o judô proporciona ao cidadão vai além do esporte. Ele ensina convivência, disciplina e valores que se refletem na vida”, completa.

 

Com academias tradicionais e novos polos surgindo em diferentes regiões do estado, o judô baiano se mantém como referência em organização e desenvolvimento. Para Salvatore Puonzo, o crescimento da modalidade reflete o compromisso da Febaju e dos profissionais que mantêm vivo o espírito do judô.

 

“O nosso trabalho é dar continuidade a essa tradição, ampliando o acesso e fortalecendo o judô como esporte, como educação e como filosofia de vida”, conclui o dirigente.


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