CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do INSS 18 de setembro de 2025 | 17:21
Documento revelado na CPI do INSS mostra atuação de filho de Lewandowski para entidade investigada
Documento apresentado à CPI do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) mostra que o advogado Enrique Lewandowski, filho do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e outros dois advogados se reuniram com o então presidente do órgão, Alessandro Stefanutto, na condição de procuradores de uma das entidades investigadas por fraudes em descontos em benefícios de aposentados.
A ata da reunião disponibilizada à CPI narra que os advogados manifestaram aos dirigentes do INSS que o Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap) “gostaria de se aproximar” para estabelecer, entre outras questões, “uma colaboração mútua entre as partes”. A reunião ocorreu em dezembro do ano passado. Na época, o Tribunal de Contas da União (TCU) já cobrava medidas para o INSS coibir desvios detectados em auditorias.
O objetivo da aproximação seria “aprimorar não apenas os procedimentos relacionados aos acordos de cooperação técnica como também as formas de controle de legalidade e regularidade do órgão”.
O encontro com a direção do INSS ocorreu antes de a Polícia Federal deflagrar operação sobre as fraudes com aposentadorias, mas quando já havia auditorias sobre o que se revelou um esquema na Previdência.
Enrique Lewandowski fazia parte de uma equipe composta ainda pelos advogados Igor Tamasauskas e Marcello de Camargo Teixeira Panella. A reunião, realizada na sede da superintendência do INSS em São Paulo, ocorreu em 20 de dezembro de 2024.
Segundo o inquérito da Operação Sem Desconto, da PF, o Cebap integra um grupo, com outras duas entidades, que tinha como modelo de negócios o desconto de pagamentos a aposentados. Juntas, as três teriam arrecadado R$ 456 milhões com esses descontos, só em 2024. De maio de 2023 a janeiro de 2025, o Cebap arrecadou, sozinho, R$ 148,6 milhões.
Procurado pela reportagem, Enrique Lewandowski disse que tratou-se de uma mera reunião de trabalho e que ele se desvinculou da entidade após deflagrada a operação da Polícia Federal, instituição subordinada ao pai dele. Tamasauskas disse que houve um intenso trabalho de respostas a ofícios até o vínculo ser encerrado. Panella não quis comentar (leia mais abaixo).
Em nota, o Ministério da Justiça destacou que não há que se falar em conflito de interesses porque a PF e a Controladoria-Geral da União (CGU) apuraram o esquema das associações “com o mais absoluto rigor, sem poupar qualquer instituição envolvida” (leia mais abaixo).
O portal Metrópoles já havia noticiado a existência de um contrato de Enrique Lewandowski com o Cebap. Agora, a ata de uma reunião, assinada pelos próprios advogados, traz informações sobre os termos das tratativas feitas em nome da entidade investigada com o INSS.
Relator da CPI, o deputado Alfredo Gaspar (União-AL) afirmou ao Estadão que a relação das entidades, via escritórios de advocacia, com o INSS é um dos seus objetos de interesse na investigação parlamentar. E que a reunião citada pela reportagem pode vir a ser alvo do trabalho de investigação parlamentar.
O trio de advogados do Cebap, desacompanhados de dirigentes da entidade, foi recebido por Stefanutto e Virgílio de Oliveira Filho, então procurador-geral do INSS. O encontro não aparece nas agendas públicas dos servidores. Ambos foram afastados dos cargos por decisão da Justiça e demitidos, depois da operação policial.
Àquela altura, o Cebap já era alvo de escrutínios da CGU e do TCU. O INSS estava sob pressão da Corte de Contas, que havia determinado, em junho, medidas para conter os descontos em pagamentos de aposentados porque uma auditoria apontou que parte deles não eram autorizados.
O processo em trâmite no TCU foi pauta da reunião. A ata registrou que, “na percepção dos advogados”, os dirigentes do INSS não estavam “confortáveis com algumas das recomendações do TCU ao órgão” porque acreditavam que eram de difícil implementação e que poderiam “representar dificuldades tanto às entidades privadas quanto aos aposentados”.
O TCU tinha decidido que novos descontos de associações só poderiam ocorrer nos casos com assinatura eletrônica avançada e biometria, ou se houvesse confirmação da existência dos documentos de autorização dos aposentados. Também determinou que o INSS bloqueasse automaticamente todos os novos descontos, fossem de empréstimos consignados de mensalidades para associações.
Os três advogados também disseram ao então presidente do INSS, segundo a ata, que a associação representada por eles estava adotando diretrizes passadas pelo órgão, mas considerava que alguns pontos não eram “exequíveis”. Entre eles, a eventual obrigação de recadastrar todos os aposentados associados à entidade.
As investigações dos órgãos de fiscalização e controle apontam que o esquema fraudava documentos e processos para filiar aposentados a essas entidades e descontar parte dos benefícios mensais pagos a eles. Os pagamentos eram abatidos sem que as vítimas tivessem dado aval.
O esquema dos descontos indevidos envolve cerca de 40 associações, ao todo, e pode ter desviado, entre 2019 e 2024, mais de R$ 6 bilhões.
O filho do ministro Ricardo Lewandowski foi citado na CPI Mista do INSS, durante o depoimento do advogado Eli Cohen, responsável por parte do levantamento de informações preliminar sobre as fraudes no órgão previdenciário.
A uma pergunta do deputado Luiz Lima (Novo-RJ), Cohen respondeu que os advogados do Cebap “foram até o departamento de benefícios do INSS para reforçar as relações da entidade com essas associações, que já tinham sido alvo de busca e apreensão” em investigações estaduais.
O que dizem os advogados
Procurado pela reportagem, o advogado Enrique Lewandowski afirmou que tratou-se de uma reunião de trabalho normal, marcada pelas vias oficiais, e que ele e os outros dois advogados foram contratados para atuar coletivamente dentro de suas competências advocatícias.
Sobre o interesse em estabelecer uma “colaboração mútua” com o INSS no momento em que o órgão e o Cebap estavam sofrendo auditorias, o advogado disse que tratou-se de uma conversa normal acerca de novas normativas para solução de problemas.
“Foi um diálogo para tentar resolver. O INSS identificou um problema e o nosso cliente tinha problemas. Fomos conversar para achar soluções, sobre como uma empresa poderia se adequar a uma nova normativa”, disse.
Ele reiterou que não tem mais qualquer vínculo com a entidade, desde a operação da PF.
O advogado Igor Tamasauskas afirmou que, no período em que foi procurador do Cebap, houve “muito trabalho”, principalmente com elaboração de ofícios para respostas a pedidos de esclarecimentos. O profissional hoje integra a equipe de defesa da família do empresário Maurício Camisotti, apontado pela polícia como peça central do esquema.
Marcello Panella não deu retorno ao pedido de contato apresentado pela reportagem.
Ele tem nome parecido com o de Marcelo de Oliveira Panella, ex-chefe de gabinete do ex-ministro da Previdência Carlos Lupi, que deixou o cargo após o escândalo. Marcelo afirmou ao Estadão que nunca esteve com Marcello e desconhece o grau de parentesco com o quase homônimo.
Em nota, o Ministério da Justiça informou que não há qualquer atuação do filho do ministro junto à pasta e que o caso citado na reportagem trata-se de uma relação particular sem relação com o ministério.
“Não há, nem houve nenhuma atuação do referido escritório no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Não há, nem houve nenhuma petição, audiência, requerimento – absolutamente nada que pudesse comprometer a autonomia do ministério. Por se tratar de contrato estritamente particular e sem qualquer relação com este ministério, não há como falar em conflito de interesse. Prova disso é que a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União apuraram o caso com o mais absoluto rigor, sem poupar qualquer instituição envolvida”, destacou.
Vinícius Valfré/Estadão
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