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Empresa canadense quer explorar município no Entorno em busca de ouro

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Empresa canadense quer explorar município no Entorno em busca de ouro
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Com 278 anos de existência, o histórico município de Luziânia (GO) guarda em seu passado a busca por ouro, o que arrancou, por consequência, sangue das mãos de pessoas que eram escravizadas em séculos passados. Embora o garimpo pareça ter ficado no passado, um fator vem movimentando a cidade, que pode ver a extração do minério voltar a movimentar a região.

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Igreja Nossa Senhora do Rosário, maior ponto turístico de Luziânia (GO), foi construída por escravos e pode “esconder” mina de ouro

Willian Matos/Metrópoles
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Historiadores apontam que há ouro debaixo do santuário

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Ao menos 87 escravos, que construíram a igreja porque não podiam ir à missa onde a população branca ia, foram enterrados no local

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Os números riscados no chão são identificadores dos caixões

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Antônio João dos Reis, 93, historiador de Luziânia

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Antônio é filho de Gelmires Reis, tido como o maior historiador do município histórico

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O Metrópoles apurou que uma empresa com sede no Canadá aumentou consideravelmente os pedidos junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) para realizar pesquisas no solo de Luziânia. A avalanche de pedidos começou em 2024, indicando o interesse da mineradora no município goiano.

Entre 2019 e 2023, a média do chamado requerimento de registro de licença no site da ANM era parecida, oscilando entre sete e 12 pedidos por ano. Além disso, as solicitações eram sempre feitas por várias empresas.

Já em 2024, a agência reguladora recebeu 78 pedidos, sendo 67 da empresa canadense Kinross Gold Corporation, por meio da filial brasileira Kinross Brasil Mineração S/A.

Em 2025, os pedidos parecem estar diminuindo, mas o número ainda é maior do que o período entre 2019 e 2023. De janeiro a setembro deste ano, a ANM recebeu 29 pedidos na totalidade, sendo 20 da Kinross.

Veja no gráfico:

A Kinross Brasil Mineração S.A. atua desde 2005 em Paracatu (MG), cidade distante 240 quilômetros de Brasília (DF). A empresa se autointitula “uma das maiores produtoras de ouro do Brasil, responsáveis por 22% da produção nacional”. Opera na Mina do Ouro, no município mineiro. “Com um grande projeto de expansão, elevamos a capacidade de lavra de minério e ampliamos em mais de 15 anos o tempo de vida útil da mina, agora estimado até 2032”, diz em seu site.

O grupo já foi alvo do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que chegou a pedir, em 2022, indenização de R$ 50 milhões por dano moral coletivo devido à empresa ter depositado rejeitos na barragem Eustáquio, em Paracatu. De acordo com o MPMG, a prática deixou a população mineira em pânico e causou danos morais coletivos após, em maio de 2021, as sirenes de rompimento da barragem Eustáquio dispararem. O espaço tem mais de 300 milhões de metros cúbicos e é maior que as barragens rompidas nas cidades mineiras Mariana e Brumadinho.

Grama do ouro a R$ 500

O Metrópoles conversou com um ex-garimpeiro, morador de Luziânia, para saber se a região ainda tem trabalhadores que extraem o cascalho do solo em busca de ouro. José de Carvalho, 71 anos, assegura que as terras luzianenses ainda guardam o metal precioso.

“Ainda há, nos dias de hoje, garimpeiros que mexem no solo e extraem ouro de forma autônoma. Como é muito difícil a regularização, eles acabam atuando clandestinamente devido à necessidade financeira”, explica Carvalho.

José de Carvalho aponta que os garimpeiros vendem o grama do ouro a, uma média, de R$ 400 a R$ 500. “Cada garimpeiro consegue extrair, em média, de um a dois gramas por dia”, comenta o ex-garimpeiro. “Alguns compradores já sabem e vêm aqui, enquanto outros garimpadores buscam sair do município para vender por preço melhor”, conta.

“Acredito que aqui em Luziânia existam, atualmente, menos de 10 garimpeiros”, aposta Carvalho.

Quando questionado se o suposto domínio de uma empresa internacional traria ou não malefícios para Luziânia, José de Carvalho diz que enxerga a geração de empregos na cidade. “[Caso os canadenses passem a tomar conta do solo] eu gostaria que os trabalhadores fossem daqui de Luziânia, isso geraria mais emprego. Além disso, se [a empresa] depredar [o solo], ela têm obrigação e condições de consertar o que estragou, com maquinários de última geração”, pontua.

Nascido em Luziânia, José de Carvalho começou a garimpar em 1998, em Coromandel (MG). “Lá, o garimpo é de diamante, com cooperativa, tudo organizado. Fiquei lá até 2011, consegui pegar grande experiência e voltei para Luziânia”, diz Carvalho. “Foi o dinheiro do garimpo que sustentou minha família nesse período”.

Coromandel, no Alto Paranaíba, é uma das principais regiões de mineração de diamantes do país. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita da região, de R$ 54.911,00, é maior do que o de Belo Horizonte (R$ 41.818,32).

Em junho deste ano, um diamante de 647 quilates foi encontrado no município. A pedra preciosa foi avaliada em R$ 16 milhões e é tida como o segundo maior diamante do Brasil — o maior, de 727 quilates, também foi achado em Coromandel, em 1938.

História sangrenta

Em busca de um contexto histórico sobre a mineração do ouro, o Metrópoles visitou, na última quinta-feira (25/9), o historiador Antônio João dos Reis, 93, ocupante da cadeira de número 25 da Academia de Letras e Artes do Planalto, em Luziânia. O pai dele, Gelmires Reis (1893–1983), é considerado um dos maiores historiadores da cidade goiana, tendo fundado o jornal Folha de Luziânia e publicado livros como História de Santa Luzia e Genealogia de Santa Luzia, entre várias outras obras.

Gelmires deixou de herança para Antônio e para toda Luziânia um extenso acervo sobre a história da cidade. No livro Almanach de Santa Luzia, Gelmires Reis e Francelino Meireles contam que, em 1768, o ouro já era extraído do município, sobretudo às margens do Rio Vermelho, mas faltava água para lavar o material. Foi aí que o bandeirante Antônio Bueno de Azevedo, vindo de Paracatu, quis construir um rego que saía do ribeirão Saia Velha (região de Santa Maria) até Luziânia para passagem de água.

Mais de 1 mil pessoas escravizadas, então, foram obrigadas a criar a passagem com as próprias mãos, num trecho de mais de 40 quilômetros de extensão. “A demora propiciou a um major à época comentários jocosos de que seria mais fácil trazer a água em cabaças”, diz a obra. Dois anos depois, em meio a muitas mortes de trabalhadores, as comportas se abriram e a água jorrou pela passagem que ficou conhecida como Rego das Cabaças.

“Logo que se descobriu Luziânia, descobriu-se o ouro. Mas, para lavar o ouro, era preciso água, e Luziânia não tinha. Surgiu, então, de São Paulo (SP), um bandeirante, juntamente com centenas de negros que fizeram [a passagem] partindo do rio Saia Velha”, conta Antônio dos Reis ao Metrópoles.

Hoje a região do Rego das Cabaças guarda uma trilha disponível para visitação.

Antônio dos Reis também aposta que há ouro guardado no solo luzianense. “Tem [ouro], ao redor da Igreja do Rosário”, diz o historiador. “O que eu posso dizer é que o ouro existe, mas deve ser cerca de 25% do que restou dos séculos passados”, acredita.

A Igreja Nossa Senhora do Rosário, citada por Antônio, foi erguida pelos escravizados que sobreviveram à construção do Rego das Cabaças. Atual maior ponto turístico da cidade, a igreja nasceu para acolher a população negra, que era proibida pelos senhores de ir às missas em um santuário próximo. Hoje, ao menos 87 escravizados estão enterrados sob a igreja, uma vez que, à época em que eles morriam, a cidade não possuía cemitério.

Outro lado

O Metrópoles entrou em contato com a Kinross Brasil Mineração S/A, que pediu sete dias úteis para elaborar uma resposta. A ANM foi demandada para se pronunciar em meio à alta de pedidos da empresa mencionada, mas não havia retornado até a última atualização deste texto.

A reportagem também buscou as polícias Federal (PF) e Civil de Goiás (PCGO). Em caso de manifestação, a reportagem será atualizada.

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