Para milhares de pessoas, esportes como corrida de rua, natação e crossfit são vistos como aliados da saúde física e mental. No entanto, quando a busca por desempenho se transforma em obsessão, a prática pode trazer riscos. Nos bastidores do esporte amador, cresce um problema silencioso: a pressão por resultados e sua relação com o possível desenvolvimento de doenças mentais.
No contexto do Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio e de atenção à saúde mental, o Bahia Notícias realizará uma série de matérias com enfoque na temática, levando em consideração atletas que lidam as dificuldades enfrentadas nas categorias de base do futebol brasileiro.
A fase inicial de um jovem jogador nas instalações dos clubes do país são popularmente chamadas de “funil estreito”. A situação é justificada com os dados do artigo “Jogadores de Futebol no Brasil”, publicado pela Revista Brasileira de Ciências do Esporte, que a probabilidade de uma criança se tornar profissional nos gramados é de apenas 1,5%.
Foto: Reprodução / Instagram
O Bahia Notícias conversou com o atleta amador Aristides Neto sobre a realidade vivida nas categorias de base do futebol do país e o engenheiro afirmou que a cobrança entre os mini-jogadores é um fator prejudicial.
“Sempre vai ter pressão durante a categoria de base. Eu sempre fui um cara que me cobrei muito, então, eu sempre me cobrava, queria melhorar, queria correr mais, queria estar mais magro, queria ser o melhor, queria fazer muitos gols, então sempre me cobrava. Além disso, a família também te cobra muito, é doloroso você ter que responder sobre algo que não está dando certo. Já deixei de ir em reunião de família para não ter que tocar nesse assunto, amigos também perguntando e questionando. Não era fácil não”, completou.
Neto, como é chamado, passou por categorias de base de diversos clubes, incluindo equipes de Brasil e Espanha. Durante seu relato, o corredor de 30 anos afirmou que já vestiu as camisas de Vitória, Bahia, Avaí, Flamengo, dentre outros elencos.
Foto: Arquivo pessoal
Apesar das oportunidades conquistadas durante a juventude, por conta de lesões e problemas de saúde, as chances de Aristides foram se esvaindo e o atleta foi se entregando a desanimação.
“Minhas duas últimas experiências foram bem difíceis para mim. Uma eu estava em Minas Gerais, no Nova Lima. Eu tinha acabado de chegar, estava bem, treinando bem. No meu primeiro jogo eu me machuquei, partida contra o Cruzeiro Sub-20. Tive um estiramento na coxa, e lembro que fiquei dois meses parado em tratamento lá. Aí quando eu volto aos treinos me machuquei novamente no mesmo lugar. Tive que fazer um tratamento mais profundo, que durou mais quatro meses, ou seja, fiquei lá em Minas Gerais só tratando esse problema físico. Depois que o time foi desclassificado do Campeonato Mineiro, eles demitiram todo mundo, incluindo eu”, continuou.
“Eu fui para o Bragantino em São Paulo fazer um teste. Cheguei lá super bem, duas semanas treinando bem, muito bem. Após um tempo, peguei amidalite e a minha garganta fechou, fiquei sem conseguir respirar, tomei medicamento lá, tomei injeção e treinava mesmo assim. Mas, por conta da dificuldade, meu rendimento nos treinos caíram e fui dispensado. Tive que fazer cirurgia e, após essas situações, desanimei bastante”, concluiu Neto.
Depois de superar a fase do futebol, Aristides revelou que enfocou o esforço em outro esporte: o Triatlon. A modalidade gira em torno da realização de três esportes em sequência, a natação, o ciclismo e a corrida. Ao assistir crescer a paixão, Neto participou de uma Maratona e um Ironman.
Foto: Reprodução / Instagram
Durante a conversa, o engenheiro citou a dificuldade de lidar com a frustração e a decepção de sua carreira não ter chegado onde almejava. Além disso, Aristides completou com um relato sobre os desafios que enfrentou ao desistir do esporte.
“Entre os 22 e os 25 anos, foi bem difícil para minha saúde mental. Eu não conseguia assistir nenhuma partida de futebol que eu chorava. Comecei a beber muito. Sempre via minha mãe chorando, meus amigos por mim então, foi muito doloroso. Mas depois disso eu segui meu caminho, segui minha vida.”
A realidade de Neto abrange a experiência de diversos outros ex-atletas que tentaram se profissionalizar no futebol e, ao não alcançar o objetivo, sofreram situações psicológicas.
Foto: Reprodução / Instagram
O Bahia Notícias entrou em contato com a psicóloga esportiva Joanna Koehne para questionar a importância de uma ajuda profissional nesse contexto dos atletas amadores e de base. Durante a conversa, a pós-graduanda em Psicologia no Esporte pela PUC-RS destacou a humanização do atleta como ponto importante para o tratamento.
“Atletas são também seres humanos além de atletas. O sofrimento não vai estar só ligado muitas vezes ao esporte, tem questões pessoais, familiares e mais coisas que estão ali envolvidas também. Então, muitas vezes a pessoa acha que ao procurar um psicólogo do esporte vai falar só sobre o esporte. E não, porque ele não é só o esporte. Então, quando procurar é quando você sentir que realmente está difícil de lidar. Ou também é aconselhável procurar para evitar que fique difícil de lidar. A psicologia está não só como um meio para ajudar a lidar com os sintomas, as dificuldades, mas também um meio para ajudar a prevenir que isso não te afete. Pensando no esporte, que isso não afete seu rendimento, não afete o seu desempenho. É interessante que você como ser humano tenha esse tipo de acompanhamento, você como indivíduo”, disse a profissional.
De acordo com Joanna, que é formada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, dentre os atletas baianos, a maior parte das queixas envolvendo o âmbito do esporte envolvem o alcance de objetivos que, posteriormente, não acontecem; ansiedade para competições; e como lidar com a não-validação de clubes ao seu bom rendimento.
Foto: Arquivo Pessoal
Koehne revelou que, com seus pacientes, tenta reforçar a importância de “se divertir durante o processo” para seus pacientes.
“A psicologia esportiva serve como um complemento de uma rede de apoio. Um suporte que deixa as coisas mais leves. É importante que você esteja se divertindo no processo. No processo de treino, de competição e tudo mais, porque é isso que importa, não ser um peso, ser algo que você está fazendo ali também pelo prazer”, comentou
A psicóloga também reforçou como a psicologia ajuda no processo de “entender o momento para criar e almejar outro objetivo” e a importância de “estabelecer meios para lidar, ganhar e progredir”.
“A psicologia é muito importante para ajudar em entender que é o momento de desistir desse objetivo para criar e almejar outro objetivo. Psicologia tem um importante auxílio aí, nessa mudança de caminhos e principalmente, de evitar esse lado negativo. São coisas que a gente às vezes não controla, pressão, lesão, frustração e tudo mais. Pensar que mesmo com essas dificuldades você consiga estabelecer meios para lidar, ganhar e progredir”, explicou.
Descubra mais sobre Euclides Diário
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.