Ê, tá na mulher. A razão, o alô, o amor, a visão e o que mais Alaim Tavares e Carlinhos Brown quiseram falar quando compuseram ‘Tá Na Mulher’, música que está no primeiro disco da Timbalada, em 1994.
Mas em 2024, trinta anos depois, os papeis se inverteram e para falar sobre a mulher e sua força, razão, amor e visão, não é necessário ter um porta-voz na mídia, já que a força que vem da mulher nos palcos também é capaz de mobilizar os bastidores e dar a quem quer que seja uma faixa potente o suficiente para conquistar o título mais sonhado do verão baiano, o de ‘Música do Carnaval’.
Foi dessa força e da união feminina que nasceu uma das apostas para o título. Em menos de uma semana, a música ‘Energia de Gostosa’, apresentada por Ivete Sangalo durante o Carnatal, já conseguiu ganhar o favoritismo dos ‘zamuris’ e balançar o coração de quatro baianas, que assinam a composição da faixa junto com Rafa Lemos, são elas: Indy, de 31 anos; Lari Tavares, de 29; Luana Matos, de 36; e Tássia Moraes, de 25 anos, do coletivo ‘Escrito por Elas’.
“A gente sempre tem reuniões, se encontra para compor, e uma dessas reuniões foi aqui em casa. Infelizmente nem todas puderam estar presentes nesse dia somente nós três (Lari, Tássia e Indy), e aí acabou vindo outro parceiro nosso que é o Rafa Lemos”, contou Lari.
Segundo Tássia, a ideia era pensar em uma música forte para o verão. No entanto, Ivete ainda não era o nome pensado pelo grupo até a canção ficar pronta e as compositoras perceberem que a artista combinaria com a faixa.
“A gente estava pensando mesmo em uma música para o verão, para empoderar as mulheres e veio essa ideia de fazer ela. As meninas não conheciam Lemos, e ele sempre falava comigo,’Velho, esse projeto de vocês é muito legal, de mulheres compondo, pô, me leva um dia’. Ele chegou lá com o tema, de ‘Energia de Gostosa’, disse que estava vendo nas redes sociais a galera falar sobre esse tema, e pensou que a gente poderia viralizar com uma música assim para o verão. A gente fez a música e depois a gente ficou ouvindo e a primeira pessoa, a primeira artista que veio na nossa mente foi Ivete. Depois de alguns contatos a música acabou ela chegando nela e ela gostou, se identificou bastante e decidiu gravar.”
Tássia Moraes | Foto: Instagram
Se depender dos fãs, a música já ganhou o título de Música do Carnaval, mas para o quarteto, é preciso ter calma para não fazer pressão. “A repercussão tá grande nas redes sociais, mas no final das contas quem decide é o público. É difícil controlar essa ansiedade, mas ainda tem muita água para rolar. Para a gente é uma grande realização ser gravada por Ivete Sangalo”, afirma Tássia.
Para Indy, a recepção do público e o pedido para que a canção seja a aposta da artista para a festa, dá uma luz para o ‘Escrito por Elas’. “Está todo mundo ligado no carnaval. Outros artistas, produtores, enfim, todo mundo, a população também, o público ligado. Então é uma oportunidade da gente mostrar mesmo nosso nome, crescer como compositor, como artista, enfim. É uma vitrine imensa”.
COMO SURGE O ESCRITO POR ELAS?
Idealizado por Lari Tavares, o projeto nasceu como a proposta de dar vez as mulheres na música antes mesmo de chegar no palco. “Ela veio para gente com essa proposta de fazer com que o cenário que é atualmente masculino da composição se transformasse num cenário similar, igual. Não é que as mulheres sejam superiores ou nada, que sejam iguais”, conta Luana.
Luana Matos | Foto: Divulgação
Indy frisa que o projeto não tem como proposta excluir ou negar a participação de homens na composição, até porque a grande aposta do grupo para 2025 tem a participação de Rafa Lemos.
“Queremos mostrar o quanto é importante essa união para proporcionar ambientes acolhedores. Que esse espaço seja para a reverberação das mulheres compositoras que vieram antes de nós, Chiquinha Gonzaga, Amelinha, a própria Marília Mendonça, que é sempre lembrada, e que, também, a gente possa ser incentivo para outras mulheres que queiram ingressar ou crescer nesse mercado”.
Indy | Foto: Instagram
Através da composição, e da composição feminina, não só o quarteto, como outras grandes compositoras brasileiras, conseguiram dar voz aos sentimentos e desejos que antes eram escritos por homens, mas tentando passar o que acontecia na cabeça feminina.
“Por ser um ambiente muito masculino, é muito comum a gente ver mulheres cantando músicas que foram escritas por homens falando da traição, sempre com a visão do homem da coisa, porque são homens escrevendo para mulheres. E aí, eu queria reiterar a importância desse projeto que o Lari propôs para a gente do ‘Escrito por Elas’, que é a gente também trazer essa visão de mulheres escrevendo para mulheres. Mulheres falando de mulheres. E furar um pouquinho essa bolha, onde tem muitos homens, e falando da dor feminina mesmo, porque eu via as composições antes, como o homem sofre, o homem chora, e a mulher aceita, a mulher amante, ela volta. Então, assim, era um tipo de composição que era mais voltado para o homem do que para a dor feminina, de fato.”
Lari Tavares | Foto: Instagram
A prova de que o projeto não é exclusivo é como os compositores têm se comportado com a chegada firme das mulheres. O quarteto conta que o ‘Escrito por Elas’ passou a funcionar como uma consultoria para alguns parceiros.
“Geralmente nos campings ou quando a gente senta para compor, os meninos acabam perguntando a nossa opinião sobre o tema, sobre determinada coisa, para sentir se estão no caminho certo. A gente acaba sendo um filtro, né? Exatamente. Um filtro de algumas narrativas que já não cabem mais também”, afirma Lari.
VIRADA DE CHAVE PARA SE DEDICAR A COMPOSIÇÃO
Para o quarteto, a composição veio de forma inesperada, ainda que a música fizesse parte da vida de cada uma delas. A mais nova do grupo, Tássia, contou ao BN que não imaginava que compor pudesse ser uma profissão e teve a virada de chave na área quando viu a primeira música ser gravada.
“Para mim, a música veio muito do nada. Primeiro, eu não sabia nem que composição era uma profissão. Eu escrevo desde que eu tenho 11 anos, mas achava que era brincadeira. Não sabia que isso poderia ser uma profissão de fato. Em 2019, a vida me levou a caminhos e conheci pessoas, e em 2020, minha primeira música foi gravada por Márcia Fellipe, ‘A Mãe Tá On’. A sensação da primeira música gravada é algo que não dá nem pra explicar, ali eu falei assim, ‘pô, é isso que eu quero para minha vida’. No ano seguinte eu fui agraciada com o Condenado, que Unha Pintada gravou e desde então, tô seguindo firme e forte.”
Nascida em uma família de músicos, Lari via em casa todo processo de composição e produção musical e chegou a ter dúvidas se realmente queria seguir na área pelas dificuldades enfrentadas pelos familiares.
“Sempre quis cantar em primeiro lugar, comecei tocando, cantando e depois, a virada de chave mesmo na minha carreira foi durante a pandemia, eu ficava vendo as lives e comecei a pensar em compor para fora. Ficava receosa, mas acabei gravando minha primeira música com a ‘Timbalada’ e o momento mais marcante foi a nossa primeira música em grupo, ‘Você Sabia’, de Raphaela Santos. Foi a primeira música nossa que logo de cara bombou, tem mais de 30 milhões views no Youtube, e isso que me motivou a seguir na carreira.”
O marco para Indy veio com uma composição para ela mesma, a faixa ‘Chá de Alecrim’, que faz parte do primeiro EP como artista independente. “Na época, ouvi muitos comentários de produtores e músicos que estavam ao meu redor dizendo essa música poderia ser gravada por vários artistas. E eu acho que esse foi o momento que eu comecei a entender a possibilidade de compor para outros artistas”.
A canção escolhida pela artista foi ‘Você Sabia’, que ganhou uma regravação por outra cantora após o sucesso de Raphaela Santos e já chegou a ser cantada por Ludmilla durante um show.
Luana citou a banda Torres da Lapa, que era liderada por Rode Torres, como a responsável por entender que a composição era o destino dela. A artista, que fazia faculdade de engenharia, deixou o curso para se dedicar integralmente a música.
“Eu pensava na música só como cantar. Eu já fazia algumas letras, algumas composições desde os 16 anos, mas não levava isso muito a sério. Só que em um determinado momento, a banda Torres da Lapa, gravou uma música minha que foi a minha primeira música gravada por um artista e isso fez uma virada de chave na minha cabeça. E quando eu decidi me empenhar na composição de fato, minha música foi gravada por Mariana Fagundes e Léo Santana. ‘TU TU TU’ mudou minha vida completamente e fez com que eu entendesse que a composição também era uma vertente para mim musical.
REALIZADAS?
A música chegou para fazer o quarteto feliz. Não que a felicidade não existisse antes, mas a transformação que a composição fez na vida de Lari, Luana, Indy e Tássia, mostrou que não teve arrependimento ao deixar a engenharia e odontologia de lado para seguir na música, por exemplo.
“Eu me formei odontologia, mas a música sempre foi meu amor, desde pequenina. Eu me sinto muito realizada nessa profissão, e para quem canta e compõe sabe que o sentimento é diferente de ver alguém cantando uma música sua, acho que talvez seja até mais forte, porque é algo que você tirou ali de dentro de você”, afirma Lari.
Para Tássia, foi a música que escolheu ela e é na área da composição que ela quer estar, apesar do desejo de amigos de vê-la no palco. “Quando a gente tem o sangue da música não tem jeito a música dá um jeito de encontrar a gente num dos caminhos da vida e depois de já com 20 tantos anos nas costas, a música bateu na minha porta e falou assim ei, você é minha!”.
Indy pontua a importância da garantia dos direitos de compositores na valorização e realização dos profissionais. “Me sinto muito feliz e realizada por fazer parte do grupo,m mas acho que a gente precisa falar da forma como os nossos direitos são cuidados, como eles são repassados, aos compositores. Tem muita coisa que precisa ser revista nesse sistema e eu acho que quanto mais a gente caminha e mais a gente ganha destaque nesse meio a gente também pode sonhar e buscar meios para que todos os compositores e compositores estejam mais seguros e valorizadas nessa profissão que é tão importante.”