O clima ensolarado do verão, entre dezembro e março, é o que leva milhões de baianos e turistas a se aproximarem ainda mais das belas praias que compõem o litoral do estado. Entre os atributos da atividade ao ar livre, a prática de esportes se coloca como um jeito clássico para aproveitar o calor e a paisagem. É nesse contexto que o surf e os adeptos do “hang loose” ocupam as praias baianas e chamam a atenção os observadores na areia.
O Bahia Notícias, inspirado pelo projeto Verão Costa a Costa da Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia (Sudesb), entidade vinculada a Setre, produziu uma série de reportagens sobre esportes de verão. No episódio deste sábado (1°), vamos explorar o cenário do surf baiano.
Para isso, o BN conversou com Marcelo Barros, atual presidente da Federação Baiana de Surf (FBSurf), para falar sobre o avanço da prática esportiva entre atletas amadores e profissionais na Bahia. Ele conta que o trabalho de organização da entidade, que é única da Bahia a estar oficialmente vinculada a Confederação Brasileira de Surf (CBSurf), ajudou a incentivar a participação dos atletas baianos nos circuitos nacionais.
“Em 2018, a entidade se encontrava praticamente a acéfala, sem atividade. A Bahia não tinha mais equipe disputando o circuito brasileiro, não tinha um circuito estadual. Então nós levamos dois anos pagando as dívidas da entidade e levamos de volta Bahia para o circuito brasileiro, então foi um trabalho de retomada”, conta.
Ele delimita que a partir disso, os principais destaques baianos passaram a surgir a partir do fortalecimento do circuito baiano de surf.
“Nós já realizamos o Bahia Surf Festival que foi considerado o melhor evento de surf nos últimos anos no Nordeste do Brasil e a Federação Baiana é a única entidade do Nordeste que conseguiu fazer 10 etapas de surf no ano de 2024, enquanto é estados como São Paulo e Rio de Janeiro fizeram três quatro etapas. A Bahia conseguiu fazer 10 etapas do Campeonato Brasileiro. De várias modalidades como Surf.”
Fotos: Reprodução / Redes sociais. Em ordem: Pedro Veiga, campeão baiano sub 12; Marcelo Alves, campeão brasileiro categoria Grand Kahuna; e Diogo Santos, campeão baiano e vice-campeão brasileiro júnior.
Entre os exemplos, se destacaram os atletas: o pequeno Pedro Veiga, de apenas campeão baiano e sul-americano sub 12; Diogo Santos, vice-campeão brasileiro júnior; e Marcelo Alves, campeão baiano da categoria Grand Kahuna (acima de 50 anos). O curioso, por sua vez, é que estes três atletas são naturais de Ilhéus, no litoral sul baiano. A região, que ainda inclui os municípios de Itacaré e Maraú, se tornou uma força no surf baiano.
Sobre o tema, Marcelo explica que esse impacto é demonstrado por meio da organização das associações locais, que se aproveitam do cenário – com inúmeras praias, algumas delas sem banhistas -, do turismo da região e o interesse dos próprios jovens para gerar um ambiente perfeito para a proliferação do esporte.
“Ilhéus sempre foi um celeiro de grandes surfistas. [A região] sempre foi um celeiro de grandes campeões brasileiros e baianos também. A gente tem também Itacaré com atletas de destaque. Tudo isso é devido ao trabalho que a Federação Baiana faz junto as associações, então quando a Federação Baiana faz um evento, fazemos o evento com a associação local, que é uma forma da gente estar justamente apoiando o surf na sua base”, defende.
O PARAÍSO DOS SURFISTAS
Com inúmeras praias isoladas e preservadas, uma economia voltada para o turismo e uma cultura local que incentiva uma relação com o mar – como fonte de renda, transporte e lazer -, o sul baiano ganha destaque quando se trata do incentivo ao esporte aquático.
O principal exemplo está em Itacaré, junto a Associação de Surf do município (ASI), fundada em 1989, por surfistas locais. Com relação à entidade, que é parceira da FBSurf, Marcelo Barros, relembra a influência.
“A Associação é uma das entidades mais antigas do Brasil e a que tem maior influência na vida da população porque ela tem cadeira cativa no conselho de segurança, no conselho de turismo, no concelho de esporte, no conselho de meio ambiente, então é uma entidade extremamente ativa no município”, detalha.
O BN também conversou com Miguel Reis, atual presidente da ASI. Ele detalha que ao lado da equipe, composta por 18 integrantes, a associação é responsável pelos seis eventos anuais de surf realizados em Itacaré para atletas amadores e profissionais, além de promover um projeto voltado para crianças do ensino municipal, o “Surfando para o Futuro”.
Fotos: Arquivo pessoal
Iniciado em 2016, o “Surfando para o Futuro” oportuniza às crianças de 6 a 12 anos, vinculadas as escolas municipais, a prática do esporte e o ensino sobre meio ambiente e trabalho comunitário. As aulas, que ocorrem no turno oposto, são ofertadas gratuitamente.
“O projeto social é um dos principais projetos [da ASI] e tem como principal objetivo incentivar a prática esportiva de crianças e adolescentes utilizando o surf como ferramenta de inclusão e transformação social. Atualmente, esse projeto e a associação se mantém através de doações e patrocinadores”, conta.
Atualmente 40 crianças são atendidas pelo projeto na praia de Tiririca. No entanto, a fama do esporte na cidade não se limita aos moradores e atletas da região. A ASI e o “Surfando para o Futuro” já chamaram a atenção da Disney Studios, produtora visual e técnica, por meio da série brasileira Juacas.
Também gravada na praia de Tiririca, em Itacaré, entre os anos 2016 e 2019, a série retratava a vida de jovens surfistas da região durante uma competição local de surf. As duas temporadas da série contaram com a mobilização de toda a estrutura econômica e política local para a gravação.
Foto: Divulgação / Disney Channel
Exibida em todo Brasil, América Latina e Portugal, por meio da Disney Channel, canal oficial da Disney, a série ajudou a despertar o interesse de novos públicos pela beleza de Itacaré e pela potência do esporte.
Ao falar sobre o crescimento da cidade nos circuitos de surf, Miguel delimita que “Itacaré se tornou a ‘surf city’ mais querida da Bahia por causa das suas ondas perfeitas e constantes que com a beleza das praias e da Mata Atlântica formam esse paraíso”.
No entanto, com o intenso trabalho nas praias, uma questão surge com grande repercussão nesta época: a preservação ambiental. Segundo ele, uma das principais ações da ASI também é pautar a conscientização socioambiental entre os moradores e turistas da região: “Precisamos ter um olhar especial para o meio ambiente, preservando, pois é o que temos de mais valioso”, conclui.
Ao falar sobre o verão baiano, o presidente da associação diz que a alta temporada da região é o momento perfeito para a divulgação do esporte e circulação econômica. “Sol, verão, calor, praia e surf, são uma combinação perfeita para nós, praticantes e instrutores de surf. Nessa época recebemos mais de dois mil turistas estrangeiros que vem para aprender a surfar e isso movimenta a economia do município”, ressalta.
A ESTÉTICA DO SURF
O que leva os turistas à Itacaré para conhecer as praias e seu surf, também pode impulsionar o mercado em todo litoral baiano. Na visão de Barros, um dos principais trunfos para o crescimento do esporte na Bahia é a inserção do life style praiano, fortemente vinculado ao surf, no dia-a-dia dos baianos.
“Bermuda lycra, o boné, o modelo de carro, prancha de surf, [tudo isso] tem ligação direta com o life style que é o surf. Tem uma pesquisa que diz que 95% do público que consome, que veste aquela camiseta e a [sandália] Havaianas, 95% desses não pegam onda, ou seja, a coisa é tão gigante que ultrapassa o número de praticantes do surf.”
Esse cenário não é difícil de observar, mesmo na capital baiana. E quem já percebeu essa movimentação é o surfista Armando Daltro, fundador da Escola de Surf Armado Daltro, na praia de Piatã, uma das mais conhecidas da orla marítima da capital baiana, por abrigar entusiastas do esporte aquático.
Foto: Arquivo pessoal
Relembrando o passado, o Armando conta que conheceu o esporte na mesma praia em que hoje dá aula: na região de Piatã, em frente ao clube do SESC. “Conheci o esporte aos 11 anos na praia de Piatã em 1984 e foi paixão a primeira onda.”
Desde então, Armando conta que se dedicou a carreira de atleta, chegando a se consagrar campeão Nordestino em 1993, campeão mundial (2000) e integrou a elite do surf brasileiro entre 1997 até 2004. Em 2007, Armando Daltro desistiu da carreira profissional fora do Brasil, por falta de apoio para fazer as viagens.
No entanto, ele conta, antes mesmo da pausa na carreira internacional, ele passou a ter um novo olhar para o esporte, quando passou a dar aulas de surf: “No ano de 2002, eu me associei ao Centro de Terapia em Surf (CTS), e em 2013 criei a Escola de Surf Armando Daltro”, detalha. “Atendemos desde crianças [5 anos] até adultos com 60, 70 anos. Basta ter vontade e estarem liberados à atividade física”, afirma.
Ao falar sobre o período do verão, Daltro ressalta que esse é o melhor momento para iniciar a prática do surf: “O verão de Salvador é sempre de muito sol e mar calmo. É excelente para os iniciantes, todo mundo acaba querendo ir para a praia, então o surf acaba sendo uma excelente opção para quem quer experimentar algo novo, um esporte que dá muito prazer desde a primeira onda. Independente da faixa etária, todo mundo se diverte”, conclui.
Fotos: Arquivo pessoal
Ao Bahia Notícias, o atleta explica que, com o auxílio de cinco instrutores, ele atende cerca de 40 alunos por semana. “Nós atendemos todos os dias em apenas três horários. Cada instrutor atende no máximo 3 alunos por turma, dessa forma, garantimos um atendimento quase que personalizado para os alunos das aulas em grupo. Podemos atender também em aulas individuais”, completa.
A busca pelas aulas coletivas e particulares de surf também são um índicio da popularização do “estilo surfista” nos últimos tempos. Para Marcelo Barros, da FBSurf, o fortalecimento do mercado esportivo com a chegada do esporte aos Jogos Olímpicos é início de uma “nova onda”. “O surfe está sendo olhado agora com um olhar diferenciado e quem colar com esse segmento vai ‘dropar’ uma grande onda”, conclui.