O ex-presidente Jair Bolsonaro 23 de fevereiro de 2025 | 07:17
Evidências golpistas embasam denúncia contra Bolsonaro e estreitam margem para divergência
A denúncia da trama golpista apresentada pela Procuradoria-Geral da República na terça-feira (18) traz dois pontos que apresentam um maior e mais robusto conjunto de evidências.
Diferentemente de outras conclusões elencadas nas 272 páginas da denúncia, os episódios relacionados à chamada “minuta do golpe” e o conjunto de ações e declarações de Jair Bolsonaro (PL) e aliados contra as urnas eletrônicas —sem que houvesse indicativo mínimo de fraude— reúnem documentos, atos públicos, ações concretas e depoimentos que reduzem a margem para interpretações diversas.
Versões da “minuta do golpe”, os documentos preparados para sacramentar a ruptura institucional e evitar a posse de Lula (PT), foram encontradas na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, na sala em que Bolsonaro usa no PL, seu partido, e em dispositivo eletrônico de Mauro Cid, ex-chefe da ajudância de ordens de Bolsonaro e delator da trama.
A Polícia Federal encontrou, inclusive, uma “minuta do pós-golpe” no computador do número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, general Mário Fernandes, que detalhava a montagem de um gabinete de crise que iria gerir o país após a quartelada.
Além dos documentos, a delação de Cid e os depoimentos dos então comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Junior, apontam que essa minuta foi apresentada aos chefes das Forças Armadas, em busca de adesão, em ao menos duas reuniões —em 7 de dezembro de 2022, pelo próprio Bolsonaro, e em 14 de dezembro, pelo ministro da Defesa, o general da reserva Paulo Sérgio.
Mensagens apreendidas nos aparelhos celulares e computadores dos investigados reforçam as suspeitas nesse sentido.
Freire Gomes e Baptista Júnior, que teriam se recusado a aderir à ruptura, também passaram a ser alvos de ataques nas redes sociais por núcleos bolsonaristas pró-golpe.
O próprio Bolsonaro admitiu em entrevistas mais recentes que chegaram a ser propostos e avaliados estados de defesa e de sítio, que em sua visão seriam instrumentos legítimos que, se fossem levados adiante, passariam pelo crivo de instituições como o Congresso e os conselhos da República e da Defesa.
Os instrumentos e conselhos, porém, estão previstos na legislação para serem acionados em casos excepcionalíssimos, como guerra ou grave convulsão social, situações que não se apresentavam no final de 2022.
O ataque às urnas eletrônicas sem respaldo mínimo de existência de fraude também reúne uma série de atos, declarações e documentos.
A começar pelo próprio Bolsonaro. Desde antes de sua vitória e continuando após subir a rampa, em 2019, o ex-presidente sempre foi profícuo em questionar as urnas eletrônicas sem nunca ter conseguido apresentar um indicativo plausível de suspeita de fraude.
A denúncia assinada pelo procurador-geral da República Paulo Gonet cita lives, entrevistas e reuniões em que o então presidente colocou em dúvida o sistema e insinuou que não aceitaria eventual derrota.
Em julho de 2021, por exemplo, realizou uma live nas redes sociais para apresentar o que ele chamava de provas das suas alegações, mas trouxe apenas mentiras e teorias que circulavam havia anos na internet e que já haviam sido desmentidas anteriormente.
Gonet destaca na denúncia a reunião ministerial de Bolsonaro de julho de 2022, a três meses da eleição, em que se falou “inequivocamente em ‘uso da força’ como alternativa a ser implementada, se necessário”. Ele se referia, especificamente à intervenção do general Augusto Heleno, que disse: “O que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”.
Bolsonaro está inelegível por duas condenações na Justiça Eleitoral, uma delas justamente por uma reunião em julho de 2022 com embaixadores estrangeiros, ocasião em que fez afirmações falsas e distorcidas sobre o processo eleitoral, alegando estar se baseando em dados oficiais.
Para além dessas declarações e atos, um dos pontos robustos da investigação da PF e da denúncia da PGR está na pressão sobre os militares para a produção de um relatório que atestasse fraude no processo eleitoral.
Esse é um dos principais pontos da delação de Mauro Cid, segundo quem Bolsonaro e seu entorno esperavam o surgimento de alguma manifestação nesse sentido que justificasse a ruptura, mesmo após a ciência de que não havia sido encontrado indicativo de fraude.
Os comandantes do Exército e da Aeronáutica atestaram em depoimento que Bolsonaro estava ciente de que os militares não tinham encontrado indícios de fraude.
O relatório apresentado após as eleições afirmou que apesar da ausência de irregularidade, o Ministério da Defesa não tinha como assegurar a total confiabilidade do processo.
O PL de Bolsonaro ainda contratou uma auditoria própria e entrou no TSE com pedido de anulação de parte das urnas com base em alegações jamais comprovadas. O pedido foi negado.
Outros pontos da denúncia de Gonet dão margem a uma maior controvérsia.
O procurador-geral, por exemplo, afirma que Bolsonaro sabia e concordou com o plano de assassinato de autoridades, sendo que a investigação traz indícios, mas nenhum elemento cabal nesse sentido.
Gonet também foi além do que a própria polícia concluiu em alguns pontos, entre eles a ligação direta do ex-presidente com o ataque de 8 de janeiro de 2023. A PF não o indiciou por crimes relacionados ao episódio. Já Gonet o denunciou pelos ataques.
A Procuradoria, apesar de colocar a delação de Mauro Cid como um dos pontos centrais da peça, ignorou várias afirmações do tenente-coronel que conflitam com a acusação.
Ranier Bragon/Folhapress