Operação da PF contra facções criminosas apreende fuzis de alto calibre no sul da Bahia 28 de setembro de 2025 | 07:20
Facções usam territórios como rota para drogas e indígenas sofrem com violência
O número de fuzis apreendidos em terras indígenas no sul da Bahia chegou a 26 apenas nos últimos dois meses.
A quantidade ilustra o que se tornou uma das principais preocupações da Polícia Federal e das comunidades locais, a incursão de facções criminosas nos territórios como rota para a venda de drogas em polos turísticos da costa brasileira, como Porto Seguro, Trancoso e Caraíva.
Segundo lideranças indígenas e agentes ouvidos pela Folha sob condição de anonimato, o panorama é de agravamento da tensão em uma região com longo histórico de violência contra os povos. Desde maio, a Força Nacional está na região para auxiliar no enfrentamento.
Há suspeita de que as facções aliciam indígenas para atuar em prol do tráfico. Segundo um investigador, a principal hipótese atualmente é que a operação seja comandada pelo Comando Vermelho. Procurado, Ministério da Justiça, Polícia Federal e governo da Bahia não comentaram.
A região do sul da Bahia é um dos principais focos de conflitos fundiários no Brasil.
Os pataxós Hã-Hã-Hãe e os pataxós são os principais povos da região, e há anos reivindicam a demarcação de territórios.
No início de 2024, a indígena Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó e uma das principais lideranças da região, foi assassinada nas proximidades do território. Seu irmão, o cacique Nailton Muniz, também foi baleado.
A morte aconteceu durante uma ação do grupo Invasão Zero, movimento criado por fazendeiros em 2023 para se contrapor à reivindicação dos povos indígenas.
Autoridades o comparam a grupos paramilitares. Eles se organizam por meio de grupos de WhatsApp e avançam contra as comunidades sem mandado judicial.
Na investida que resultou na morte da pataxó, a polícia prendeu dois homens que carregavam pistolas, um jovem de 19 anos filho de fazendeiros e um policial reformado de 60 anos.
À época, o coordenador nacional do Invasão Zero, o produtor rural Luiz Uaquim, afirmou que o grupo agia dentro da legalidade e classificou como uma fatalidade a morte da indígena Nega Pataxó.
A perícia confirmou que o tiro que matou Nega Pataxó partiu de uma das armas apreendidas, no caso, uma pistola calibre 38.
Esse tipo de arma, porém, é bem mais leve se comparado ao que as forças de segurança vêm encontrando nos últimos meses, o que inclui, dentre outros, fuzis 556 e 762.
Este segundo, por exemplo, custa cerca de R$ 85 mil e é projetado para confrontos intensos e costuma ser utilizado pela facção carioca Comando Vermelho, segundo reportagem do UOL. O outro, também comumente encontrado em ações contra o grupo, costuma ter preço de R$ 55 mil.
Além deles, a PF tem encontrado munições em grandes quantidades, granadas e coletes à prova de balas.
A entrada das facções no cenário do sul da Bahia tem aumentado a tensão na região, segundo relatos, inclusive entre indígenas e as forças de segurança.
No início de julho, o cacique Suruí Pataxó, da Terra Indígena Barra Velha, foi preso pela PF por suposto envolvimento com as organizações criminosas, após uma operação conjunta com a Força Nacional.
Histórica liderança da região, ele é também residente do Conselho de Caciques local. A polícia afirma que ele e mais três pessoas foram encontrados com duas pistolas e dezenas de munições.
Os indígenas negam qualquer ligação dele com as facções e dizem que a prisão foi uma forma de reprimir sua luta pela demarcação dos territórios na região. Foram organizados protestos e bloqueio de estradas.
A terra de Barra Velha foi delimitada pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) em 2008, com 57 mil hectares, mas, desde então, seu processo de demarcação não avançou.
Após 70 dias, no início de setembro, Suruí foi solto. O juiz William Bossaneli Araújo, da 1ª Vara Criminal de Porto Seguro, afirmou que “não subsistem elementos concretos que vinculem o réu à organização criminosa”.
Ele substituiu a prisão preventiva por medidas cautelares, como não ter contato com as outras pessoas com quem estava no momento do flagrante e ficar em casa à noite.
Para o cacique Naô Xohã Pataxó, da Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal e vice-presidente do conselho, a situação que as comunidades vivem atualmente é um prolongamento das violências sofridas há pelo menos duas décadas.
“Não há nenhuma verdade [na ligação com o tráfico]. O cacique Suruí, junto com os demais, vem toda a vida denunciando, não incentivando, nem apoiando. Por ele denunciar, sofreu vários ataques, tanto do agronegócio quanto do tráfico”, afirmou.
Ele afirma que os povos da região sofrem há anos com a violência de fazendeiros. A situação ao longo deste tempo teve picos e redução de tensão, mas, no geral, o problema só cresceu, com a formação das milícias e, agora, também a chegada das organizações criminosas.
“O tráfico tem entrado no território com muita violência também, e a gente tem perdido vários jovens, uma das ações que vêm matando o nosso povo. A gente tem muito receio, não pode falar isso ao público, porque a gente pode ser atacado a qualquer momento”, diz.
“É uma forma de eles tentarem fazer nós, indígenas, recuarmos do avanço pela demarcação do território. Então, sofremos ataques de várias formas, de todos os jeitos, tanto do tráfico, do agronegócio e de milicianos”, completa.
João Gabriel/Folhapress
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