N/A

Farra do INSS: secretário da Conafer passou de beneficiário do auxílio emergencial a “dono” de aviões

1 views
Farra do INSS: secretário da Conafer passou de beneficiário do auxílio emergencial a "dono” de aviões

<

Um secretário da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) que, há quatro anos, era beneficiário do auxílio emergencial virou “dono” de aviões avaliados em mais de R$ 3 milhões. A confederação é uma das principais entidades associativas investigadas por descontos ilegais em aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Silas da Costa Vaz, de 42 anos, mora com família em uma casa simples no Recanto das Emas (foto em destaque), região com uma das menores rendas per capita do Distrito Federal, o que reforça indícios de se tratar de um laranja. Em conversa com a coluna, ele afirmou que nunca comprou as aeronaves e não soube explicar o motivo de a assinatura dele constar nas transações.

Silas Vaz se tornou proprietário de ao menos dois aviões. Ambos foram compradas pelo secretário da Conafer diretamente do presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT), Vinícius Ramos da Cruz. O ITT é uma ONG ligada à Conafer, que recebe dinheiro de emendas parlamentares.

Uma das aeronaves foi adquirida por R$ 2,5 milhões em junho deste ano. Trata-se de um Beech Aircraft modelo 58P, de prefixo PT-OOV. Em janeiro, Vinícius Ramos havia adquirido o mesmo avião por R$ 1 milhão. Ou seja, o jatinho supervalorizou 150% em um período de apenas cinco meses. As informações constam em instrumento particular de compra e venda obtido pela coluna.

Documentos da aeronave mostra que Silas Vaz e o presidente da ONG ligada a Conafer assinaram os termos de compra e venda da aeronave
Documentos da aeronave mostra que Silas Vaz e o presidente da ONG ligada à Conafer assinaram os termos de compra e venda da aeronave

Já a segunda aeronave que passou para o nome de Silas Vaz é um Cessna Aircraft, modelo 172RG e prefixo PR-ATM. O avião pertencia ao deputado federal Euclydes Pettersen (Republicanos-MG). Antes de vendê-lo para Vinícius Ramos, o político enviou R$ 2,5 milhões em emendas parlamentares ao Instituto Terra e Trabalho em um processo que resultou em fraude à licitação e desvio de dinheiro público, conforme revelado neste sábado (20/9) pela coluna.

Esse avião havia sido comprado por Euclydes Pettersen e um sócio em janeiro de 2021. O valor total da compra foi de R$ 320 mil. Dois anos depois, em março de 2023, o deputado e o sócio venderam a aeronave para o presidente do ITT por R$ 400 mil. Já em junho de 2025, houve nova transferência de propriedade do jatinho, desta vez por R$ 700 mil, para Silas da Costa Vaz. Logo no mês seguinte, ele revendeu para um piloto. Essa operação comercial foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmada pelo Metrópoles.

Aeronave da Conafer e ITT

Silas Vaz é secretário da Conafer e, durante a pandemia da Covid-19, recebeu 16 parcelas do auxílio emergencial, totalizando R$ 4.050. O benefício foi pago a famílias de baixa renda em razão da crise econômica causada pelo vírus.

Em conversa com a coluna, o secretário da Conafer afirmou que nunca comprou aeronave e que não sabe dizer por que os aviões estão no nome dele. “Eu não me lembro [de ter assinado qualquer documento]. Toda hora eu assino documentos”, declarou. Funcionário da Conafer há 10 anos, Silas Vaz disse que vai procurar seus advogados para entender o que aconteceu e se, por um acaso, alguém agiu de má-fé usando o nome dele. “Eu assino um bocado de documentos, camarada. E isso ai eu vou ter que ver.”

Procurada, a Conafer informou que a ONG não pertence à entidade, “assim como outras entidades e associações, ela faz parte do quadro de associados”. A entidade acrescentou que “não pode ser proprietária de um bem que não está registrado em seu CNPJ”. ITT e Vinícius Ramos não se manifestaram.

Euclydes Pettersen, por sua vez, afirmou se tratar de um “avião monomotor no valor R$ 200 mil”. “Eu só tinha 50% desse avião, que eu vendi para um empresário de Governador Valadares”, disse Pettersen, negando ter feito negócios com Vinícius Ramos.

Deputado de MG enviou emendas a ONG que comprou jatinho dele

Euclydes Pettersen é considerado porta-voz político da Conafer. Ele enviou duas emendas para a ONG ligada à entidade. O primeiro empenho ocorreu em outubro de 2022, no valor de R$ 1,5 milhão. Já a segunda emenda, de R$ 1 milhão, foi enviada em dezembro de 2023. Ambas tinham como objeto a realização de capacitação de agricultores e a inseminação de gados bovinos em Minas Gerais.

Euclydes Pettersen
O deputado federal Euclydes Pettersen também é presidente estadual do Republicanos em Minas Gerais

As emendas foram enviadas por meio de convênios. Nessa modalidade, a própria ONG realiza as licitações e subcontrata empresas para a execução do objeto.

No entanto, indícios levantados pela coluna apontam que as licitações foram fraudadas por meio de simulações de propostas, e uma empresa ligada à própria Conafer foi subcontratada, recebendo mais de R$ 2,1 milhões.

A companhia beneficiada pela fraude é a Agropecuária PKST LTDA, representada por Ingrid Pikinskeni Morais Santos, sócia e mulher de Cícero Marcelino de Souza Santos, que, por sua vez, é apontado pela Polícia Federal como assessor do presidente da Conafer, Carlos Roberto Ferreira Lopes.

Segundo dados da Receita Federal, a Agropecuária PKST foi fundada em março de 2022, sete meses antes de Euclydes Pettersen destinar a primeira emenda ao ITT.

Para ganhar os subcontratos, a Agropecuária PKST simulou licitações com empresas também ligadas ao núcleo da Conafer. Uma das “concorrentes fake” foi a Agropecuária e Mineração Lagoa Alta LTDA., que pertence a Bruna Braz de Souza Santos Lopes, esposa de Carlos Lopes, o presidente da entidade.

Emenda Euclúydes Petterson

Em outra licitação, a Agropecuária PKST concorreu com a Ala Genetics – o CNPJ e o nome presente no carimbo da suposta proposta são justamente os da Agropecuária e Mineração Lagoa Alta. No total, a empresa obteve três subcontratos no âmbito dos dois convênios. O objeto dos acordos é a realização de inseminações artificiais de bovinos e a capacitação de produtores rurais. O ITT ainda não realizou a prestação de contas dos convênios.

Questionado, o deputado federal admitiu que tem relação com a Conafer e com o ITT, mas que não poderia responder pelos prestadores de serviço e pela licitação tocada pela entidade. “Sobre os prestadores de serviço, eu não tenho conhecimento. Quando indicamos o recurso, fica a responsabilidade do instituto direto com o ministério para aprovação do plano de trabalho. E esse plano de trabalho é apresentado diretamente ao ministério para as devidas fiscalizações necessárias para aprovação.”

Em maio, a Polícia Federal cumpriu dois mandados de busca e apreensão contra Ingrid Pikinskeni e Cícero Marcelino, no âmbito da segunda fase da Operação Sem Desconto, que investiga o esquema de descontos indevidos na aposentadoria e pensão de segurados do INSS. A ação foi realizada em Presidente Prudente (SP).

Por meio de nota, a Conafer explicou à reportagem que Cícero Marcelino “tem uma relação comercial com a confederação, não faz parte da assessoria do presidente”.

Relatório da PF aponta movimentações suspeitas envolvendo as empresas do casal e a Conafer. “Como analisado, vultosas somas são enviadas diretamente pela Conafer para Cícero Marcelino, Ingrid Pikinskeni e suas empresas, sendo que, posteriormente, o dinheiro aparenta circular pelas diversas empresas do grupo. Esses fluxos sugerem um mecanismo de dispersão de recursos por meio de entidades e empresas controladas por indivíduos ligados à associação e ao esquema. A origem desses recursos, que passaram por diversas associações e empresas, portanto, levanta suspeitas de lavagem de dinheiro”, diz a PF.

Conafer na mira da CPMI do INSS

Fachada da Conafer, associação investigada por envolvimento no esquema de descontos do INSS, no Setor Comercial Sul - Metrópoles
Fachada da Conafer, em Brasília

A Conafer é uma das entidades associativas ligadas à Farra do INSS. Investigações da Controladoria-Geral da União (CGU) estimam que a Conafer tenha arrecadado cerca de R$ 688 milhões das remunerações de trabalhadores rurais e indígenas desde 2019.

A entidade está na mira da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS. O colegiado já aprovou uma série de requerimentos de informações que envolvem a entidade. Entre eles, quebra de sigilo bancário da cúpula da entidade, acesso a inquéritos policiais sobre os descontos indevidos, além de convocação dos dirigentes a depor.

Em nota, a Conafer informou “que não figura como uma das principais associações envolvidas no esquema. Em maio, a Advocacia-Geral da União (AGU) retirou a Conafer e outras entidades da ação cautelar”.

A confederação declarou que “não é correto fazer a ilação de que a receita total da entidade seja oriunda de recursos supostamente obtidos de forma ilegal. “A Conafer tem 2,8 mil CNPJs filiados e 8 milhões de CPFs na base. A auditoria por amostragem não corresponde à realidade da entidade. Cabe destacar que a Conafer não faz filiação de pessoas (CPF).”

Colaborou Melissa Duarte e Valentina Moreira.

>


Descubra mais sobre Euclides Diário

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Rolar para cima