Itaipu Nacional 15 de setembro de 2025 | 08:57
Gasto socioambiental de Itaipu não tem sustentação legal e é irregular, conclui Consultoria Legislativa
Segundo a Conle, a Consultoria Legislativa, um órgão de assessoramento técnico do Congresso Nacional, falta sustentação legal aos crescentes gastos sociambientais da hidrelétrica binacional de Itaipu, negociados entre Brasil e Paraguai desde 2022. Pagos por consumidores das regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, eles já geram uma despesa adicional anual de US$ 1,2 bilhão na conta de luz dos brasileiros, mais de R$ 6 bilhões, pela cotação atual do dólar.
O estudo é o primeiro posicionamento institucional que corrobora antigas críticas de especialistas de energia ao avanço desses gastos.
O Tratado de Itaipu e seus anexos não preveem gastos socioambientais como parte da tarifa. A direção atual da hidrelétrica do lado brasileiro argumenta que elas são embasadas, desde 2005, por uma nota reversal, tipo de documento diplomático usado para alterar o conteúdo ou a aplicação de um acordo internacional já existente.
Por meio dessa nota, Itaipu assumiu a missão de promover desenvolvimento social e ambiental, e os custos para esse fim passaram a ser parte da despesa de operação e manutenção da usina, as chamadas despesas operacionais —grosso modo, viraram um componente da geração de energia, que afeta o valor da tarifa.
Os consultores legislativos concluíram que uma nota reversal é instrumento irregular para esse fim, porque o Ministério das Relações Exteriores não tem base jurídica para sustentar uma mudança que leva a impacto financeiro para a economia nacional.
Como a criação do gasto sociambiental foi uma medida que alterou um tratado internacional e criou um encargo gravoso para o consumidor brasileiro, a Constituição Federal exige aprovação da Câmara e do Senado, o que não ocorreu. O gasto socioambiental como está rompe inclusive o equilíbrio econômico-financeiro de Itaipu, afirma do texto.
O estudo lembra ainda que o próprio governo brasileiro já reconheceu essa necessidade de validação pelo Congresso Nacional em 2009. Na época, Brasil e Paraguai alteraram um indicador previsto no tratado. Com a mudança, os pagamentos anuais feitos pelo Brasil ao Paraguai, a título de cessão de energia, passariam de US$ 120 milhões para cerca de US$ 360 milhões.
Os parceiros, então, elaboraram um nota reversal para fazer a elevação do valor, e o governo encaminhou a discussão ao Congresso. O texto que pede a análise dos parlamentares explica que “por se tratar de novos valores e em razão de representar encargo gravoso para o patrimônio nacional, nos termos da Constituição Federal (artigos 49, inciso 1, e 84, inciso 8), o acordo por notas reversais requer a aprovação do Congresso Nacional.”
O documento foi assinado por Celso Amorim, então ministro das Relações Exteriores, Guido Mantega, ministro da Fazenda, e Edison Lobão, ministro de Minas e Energia.
O estudo do Conle foi feita a pedido da deputada Adriana Ventura (Novo-SP), pelos consultores legislativos Henrique Augusto Silva Vasconcellos, da área de Recursos Minerais, Hídricos e Energéticos, e João Victor Scherrer Bumbieris, da área de Segurança Pública, Defesa Nacional, Direito Internacional Público e Relações Internacionais.
“A nota reversal 228 de 2005 é ilegítima, pois não foi aprovada pelo Congresso, e abriu espaço para uma política perversa: aumentos bilionários de gastos que pesam justamente no na conta de luz dos mais pobres —o custo da conta de luz é quase o dobro do que deveria ser”, afirmou à Folha a deputada Adriana Ventura.
Procurada pela Folha, o MRE (Ministério das Relações Exteriores) confirmou que a nota reversal não tem escopo financeiro, e que por isso não foi submetida ao Congresso.
“A Nota Nº 228 de 2005 não traz dispositivos que tratem da estrutura tarifária da usina, estabelecendo apenas que iniciativas no campo da responsabilidade social e ambiental devem inserir-se na missão da Itaipu Binacional”, destacou em texto enviado à reportagem.
“O acordo por troca de notas de 31/3/2005 não foi submetido ao Congresso Nacional naquela ocasião tendo em vista o artigo 49, I, da Constituição Federal de 1988, que estabelece que devem ser submetidos ao Congresso Nacional apenas os tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.”
Itaipu, por sua vez, disse que não faria comentários sobre a nota reversal, e insistiu que a missão socioambiental não afeta a conta de luz dos consumidores de energia.
“O investimentos socioambientais não impactam na composição do cálculo da tarifa de energia, que é definida consensualmente por Brasil e Paraguai”, respondeu à reportagem.
O estudo do Conle, no entanto, contrapõe esse argumento. Lembra que o Tratado de Itaipu, firmado entre Brasil e Paraguai, não prevê negociação. Fixa uma tarifa de energia estritamente pelo custo de prestação dos serviços de eletricidade, seguindo critérios técnicos e financeiros estabelecidos no Anexo C desse acordo internacional —e reconhece, que, contrariando esse tratado, após a quitação integral da dívida de construção da usina, em 2023, a tarifa permaneceu elevada.
Como os brasileiros arcam com cerca de 80% dos gastos de Itaipu, o peso do custo adicional é amplificado do lado de cá da fronteira.
“Agrava ainda mais o cenário a constatação de que as tarifas de Itaipu são pagas pelos consumidores cativos das regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, especialmente os mais carentes, que não têm condições de migrar para o mercado livre de energia ou implantar sistemas de micro e minigeração distribuída”, afirmam os consultores.
“Assim, a decisão de inflar os custos de Itaipu pode ser entendida como uma política pública regressiva —’que tira dos pobres para dar aos ricos’.
O estudo também avaliou as demonstrações contábeis de Itaipu e concluiu que elas atestam “uma inadequação da classificação” das despesas socioambientais, despesas essas que impedem a redução da tarifa.
“O elevado crescimento nos últimos anos desses gastos mantém as tarifas aos consumidores brasileiros em níveis elevados, quando reconhecidamente poderiam sofrer reduções significativas.”
Os contratos com detalhamento desses gastos não são públicos. A Folha, com base em documentos conseguidos pela reportagem, mostrou que, entre as infinidades de convênios socioambientais feito pela usina, alguns empregam políticos e seguem critérios difusos, como o contrato esportivo que tinha mais bolas compradas do que criança atendida.
A atualização de um levantamento comparativo da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, confirmam o peso das tarifas de Itaipu, sob diferentes aspectos.
Itaipu afirmou à Folha que o preço da sua energia está em R$ 232 pelo MWh (megawatt-hora), entre os mais baixos das hidrelétricas cotistas e também abaixo de R$ 307,29, a média definida para 2025 pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
A Frente, no entanto, diz que se Itaipu apenas seguisse as regras do tratado, no primeiro semestre de 2025, sua energia teria custado do lado de cá da fronteira R$ 114. No entanto, as 31 distribuidoras obrigadas a comprar da usina binacional pagaram R$ 246 pelo MWh, valor levemente superior ao apresentado por Itaipu.
Ambos valores, porém, são cerca de 60% mais caro que o custo médio das hidrelétricas amortizadas e de porte comparável a Itaipu —ou seja, que já pagaram o custo de sua construção e têm geração anual superior 1 milhão de MWh. A média desse grupo ficou em R$ 147.
O levantamento lembra que entre as hidrelétricas amortizadas, quanto maior a usina, menor o preço da sua energia, mas Itaipu subverte essa lógica. No grupo das dez maiores do Brasil nessa categoria, a Usina de Ilha Solteira produz quase um quinto de Itaipu, e sua energia custou R$ 190 por MWh
A energia de Itaipu também custou cerca de 50% mais que o valor médio de todas as 59 hidrelétricas amortizadas cotistas do país, cuja tarifa média foi de R$ 164 pelo MWh. A conta inclui o valor das pequenas hidrelétricas, naturalmente mais caras.
O preço da binacional também supera o registrado por hidrelétricas de grande porte não amortizadas, ou seja, sua tarifa ainda inclui o oneroso custo da dívida para a sua construção. No primeiro semestre, o MWh de Santo Antônio saiu por R$ 213, o de Jirau, R$ 187 e o de Belo Monte, por R$ 185.
O presidente da Frente, Luiz Eduardo Barata, lembra que a dívida para construção de Itaipu sempre foi o custo mais elevado da usina. À medida que o valor da parcela começou a cair até ser quitada, Brasil e Paraguai passaram a combinar o valor do gasto socioambiental, impedindo a redução da tarifa na mesma proporção do fim da dívida.
“O novo confirma que a energia de Itaipu continua mais cara que a média das hidrelétricas brasileiras. inclusive mais cara que Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, contrariando as falas do diretor-geral Enio Verri de que ela é barata”, diz o presidente da Frente, Luiz Eduardo Barata.
“Itaipu paga ponte, pavimenta estrada, banca obra na COP30 porque Brasil e Paraguai estão descumprindo o tratado e combinando o preço da energia, e isso é um absurdo com o consumidor.”
O executivo lembra que o combinado no governo de Jair Bolsonaro, em 2022, criou um adicional de cerca de US$ 300 milhões. Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os valores escalaram. Passaram para US$ 840 milhões em 2023, indo a US$ 1,5 bilhão 2024 e 2025. Como a maior parte da energia é paga pelo brasileiro, a conta pesa para ele.
A tarifa dentro da usina, chamada de Cuse (Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade), já deveria ter caído para US$ 9 pelo kW (quilowatt), caso o tratado fosse seguido, mas foi congelado em US$ 19,28 até 2026, e vem sendo mantido em US$ 16,71/kW com aportes extraordinários na Conta de Comercialização.
Ainda teve o agravante, diz Barata, de o MME (Ministério de Minas e Energia) e o MRE terem reeditado um acordo operativo muito desvantajoso para os consumidores brasileiros, porque dá ao Paraguai a exclusividade para levar a energia excedente, mais barata.
Segundo cálculos da Frente, por causa desse entendimento, em 2024, os consumidores brasileiros pagaram por 80,5% da energia de Itaipu, mas receberam 69,4%, enquanto os consumidores paraguaios pagaram por 19,5% e levaram 30,6%. A distorção continua. No primeiro semestre, os consumidores brasileiros pagaram por 78,5%, mas ficaram com 66% da energia.
Alexa Salomão/Folhapress
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