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Governo busca STF para afastar risco de derrota em novas ‘teses do século’

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Governo busca STF para afastar risco de derrota em novas ‘teses do século’

Foto: Fellipe Sampaio/STF/Arquivo
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) durante eleição do presidente e vice-presidente da Corte para o biênio 2025/2027 22 de setembro de 2025 | 18:11
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Governo busca STF para afastar risco de derrota em novas ‘teses do século’

O governo federal ajuizou no STF (Supremo Tribunal Federal), no último dia 19 (sexta), a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) 98 para que seja declarada constitucional a inclusão de “despesas incorridas, inclusive as tributárias” na base de cálculo do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).

Essas duas contribuições, devidas por empresas, têm como finalidade financiar a seguridade social (saúde, previdência e assistência). Na prática, incidem sobre a receita bruta ou o faturamento das companhias, com alíquotas diferentes a depender do regime tributário adotado. Atualmente, vários contribuintes discutem judicialmente o que pode ou não ser considerado receita para efeito dessa cobrança.

A medida atinge diretamente três teses tributárias de repercussão geral que estão em discussão no Supremo: a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS/Cofins (Tema 118), a tributação sobre créditos presumidos de ICMS concedidos pelos estados (Tema 843) e a possibilidade de incluir o próprio PIS/Cofins em suas bases de cálculo (Tema 1067).

Hoje, enquanto não há decisão definitiva do STF, empresas recorrem ao Judiciário para afastar essas cobranças, muitas vezes obtendo vitórias em instâncias inferiores. A petição inicial da ADC faz pedido liminar para suspender esses processos e, inclusive, os efeitos de decisões já proferidas até que o Supremo dê a palavra final.

Segundo a AGU (Advocacia-Geral da União), a iniciativa busca dar segurança jurídica e uniformidade à jurisprudência, após anos de disputas que fragilizam a arrecadação e estimulam interpretações divergentes.

A União sustenta que o precedente do STF no Tema 69 — a chamada “tese do século” —, consolidado em 2017, não se aplica a esses casos.

Naquele julgamento, o Supremo decidiu que o ICMS não deve compor a base de cálculo do PIS/Cofins, porque o imposto estadual não representa receita própria da empresa, mas um valor que apenas transita pelo caixa e é repassado ao Estado. O governo agora argumenta que essa lógica não poderia ser estendida para ISS, créditos presumidos ou para o cálculo das contribuições sobre si mesmas.

Para a União, o impacto fiscal dessas teses é determinante. Segundo a AGU, estudos da Receita Federal estimam um impacto econômico de R$ 117,6 bilhões aos cofres públicos caso o STF reconheça a exclusão de valores discutidos nos três temas em análise.

Especialistas, contudo, enxergam a manobra com cautela. De acordo com a advogada Mariana Cavalcante Pinheiro, a ADC 98 tem o objetivo estratégico de evitar um efeito dominó, ou seja, impedir que a decisão do STF no Tema 69 abra precedentes para excluir outros tributos ou despesas da base de cálculo do PIS/Cofins, tendo escopo meramente político e arrecadatório.

“O ISS, tributo devido ao município, segue lógica semelhante ao ICMS e não representa receita do contribuinte. Incluir os créditos presumidos na base do PIS/Cofins, por sua vez, afronta o pacto federativo, pois significa tributar um benefício concedido por outro ente federativo: o estado. E a incidência do PIS/Cofins sobre si mesmos, por fim, cria uma circularidade tributária ilógica, que viola princípios de racionalidade e capacidade contributiva”, diz.

Para Danielle Chinellato, tributarista da Innocenti Advogados, a ADC busca legitimar uma leitura ampliativa e inconstitucional da base de cálculo do PIS/Cofins.

“Na prática, trata-se de uma tentativa de reverter por via oblíqua o precedente da exclusão do ICMS, que é visto como um precedente favorável aos contribuintes para o julgamento dos Temas 118, 843 e 1067”, afirma.

Chinellato entende que o julgamento da ADC não deve gerar uma preocupação imediata, já que não questiona formalmente o que foi decidido no Tema 69, mas diz que caso a ação tenha procedência abre-se margem para rediscussão do conceito constitucional de faturamento, reabrindo uma divergência já pacificada.

“Receita e faturamento pressupõem ingresso financeiro definitivo, que acrescente ao patrimônio da empresa. Trata-se de uma distorção conceitual incompatível com a Constituição, que foi justamente o cerne da decisão do STF no Tema 69”, explica.

Segundo as advogadas, se o STF confirmar a tese da União, a tendência é de aumento da carga tributária sobre empresas de diferentes setores. O setor de serviços sofreria pela inclusão do ISS e a indústria e o agronegócio seriam prejudicados pela tributação de créditos presumidos.

Sobre a suspensão de processos, requerida liminarmente na ação pela AGU, os advogados Maria Raphaela Matthiesen e Breno Vasconcelos, tributaristas do escritório Mannrich e Vasconcelos, afirmam que, se acatada, ela pode ter impactos diferentes a depender do estágio do processo.

“Para as empresas que já têm decisões favoráveis, a suspensão nacional de processos não trará, por si só, impactos imediatos. Contudo, em seu pedido cautelar a União requereu também a suspensão dos efeitos das decisões já proferidas nos processos individuais, de modo que, caso esse pedido seja deferido, as respectivas empresas não poderão continuar se aproveitando dos efeitos das tutelas obtidas em suas medidas judiciais”, dizem.

A ADC foi distribuída para a ministra Cármen Lúcia. O julgamento, quando pautado, deve ter efeito direto sobre milhares de ações em curso e poderá redefinir os limites da tributação federal.

Márcia Magalhães, Folhapress



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