O presidente Lula (PT) 23 de abril de 2025 | 17:00
Governo Lula muda regra e deixa de exigir devolução de bens em caso de desvio de recursos em ONGs
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mudou a regra para contratação de organizações não governamentais (ONGs) ao elaborar as diretrizes do Orçamento de 2026 e deixou de exigir a devolução de bens em caso de desvio dos recursos repassados a essas instituições.
O Executivo argumenta que há outros dispositivos na legislação garantindo a boa aplicação da verba pública e que nem sempre é de interesse da União a devolução do bem quando há irregularidade. Nesses casos, outros instrumentos poderiam ser adotados para reparar os danos.
O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026 foi enviado ao Congresso Nacional no último dia 15. No capítulo sobre as transferências para entidades privadas sem fins lucrativos, a regra prevista nos últimos 15 anos foi eliminada.
A norma exigia que, nos contratos assinados entre a União e as organizações, houvesse uma cláusula de reversão ao patrimônio público equivalente aos valores recebidos em caso de desvio de finalidade ou aplicação irregular dos recursos transferidos pelo governo federal.
Por exemplo, o governo destina recursos para uma ONG em Pernambuco para a construção de cisternas no semiárido. Se alguma irregularidade fosse comprovada, a entidade teria que reparar o dano devolvendo os equipamentos para o patrimônio público.
O dispositivo garantia uma segurança para o patrimônio público e agora o controle dependerá de cada caso individualmente, afirma Caio Gama Mascarenhas, procurador do Estado de Mato Grosso do Sul e pesquisador em direito financeiro na Universidade de São Paulo (USP).
“Esse ponto que foi retirado era uma cláusula que preservava a governança de transferências voluntárias pela União nos casos de utilização dos recursos do convênio em desacordo com o pactuado”, diz Mascarenhas. “Ele garantia responsividade por parte dos beneficiários, que podiam perder o bem objeto do contrato caso descumprissem as cláusulas”.
A mudança pode facilitar casos específicos em que a manutenção do bem não seja interessante para o poder público, mas vai depender do que for assinado em cada contratação, na opinião do especialista. “Nesses casos, é possível que seja melhor que o bem continue no patrimônio do beneficiário e que outras sanções sejam aplicadas. Isso tem que ser avaliado caso a caso”.
Governo Lula bate recorde em repasse de dinheiro para ONGs
O governo federal aumentou o repasse de dinheiro para ONGs. Os gastos da União com entidades privadas sem fins lucrativos saltaram de R$ 6 bilhões em 2022 para R$ 10,3 bilhões em 2023 e bateram o recorde de R$ 13,9 bilhões em 2024, sem considerar os repasses obrigatórios como subvenções e financiamento de partidos políticos.
O dinheiro banca desde a gestão de hospitais até a compra de material de expediente e pagamento de diárias, beneficiando entidades ligadas à gestão petista. Conforme o jornal O Estado De São Paulo revelou, Mídia Ninja, uma rede de comunicação ligada à esquerda, tem usado ONGs para receber repasses do governo enquanto afirma publicamente não ser bancada com dinheiro público.
Na área social, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidades em repasses suspeitos para organizações ligadas ao PT que recebiam dinheiro para distribuição de marmitas, após o caso ser revelado pelo jornal O Globo. Também houve repasse de emendas parlamentares para ONGs sem transparência, levando à suspensão das transferências pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em outra frente, o governo Lula ampliou ganhos de uma entidade internacional que ofereceu um cargo à primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, como mostrou o Estadão. Nesse caso, o Executivo não enquadrou os repasses como pagamento a entidade privada sem fins lucrativos, alvo da mudança na LDO, mas como transferência ao exterior, que obedece outras regras, pois a OEI é sediada em Madri.
O Ministério do Planejamento e Orçamento, responsável pela elaboração das diretrizes orçamentárias, afirmou que existem regras específicas sobre a destinação de bens remanescentes nesses contratos, modulando os casos nos quais há determinação de devolução dos recursos em caso de rejeição da prestação de contas.
“A reversão patrimonial e eventual devolução dos bens nem sempre irão ao encontro do interesse público, gerando obrigações para a administração que muitas vezes não teria destinação adequada para aqueles bens”, disse a pasta. “Em suma, a matéria continua sendo regida pela legislação que disciplina as transferências, não havendo prejuízo à boa aplicação dos recursos e à adequada destinação dos bens”.
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, responsável pelas transferências da União, informou não ter complementos à resposta do Planejamento.
Daniel Weterman/Vinícius Valfré/Estadão