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Grilagem e Empreendimentos Eólicos: Desafios para os Povos Tradicionais e Indígenas da Bahia

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A grilagem de terras e a invasão de territórios tradicionalmente ocupados representam uma das principais ameaças aos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais na Bahia. No semiárido baiano, comunidades de fundo e fecho de pasto e o povo indígena Kaimbé, da Aldeia Massacará, são frequentemente pressionados por cercamentos ilegais, especulação fundiária e empreendimentos que desconsideram sua presença ancestral. A disputa não é apenas fundiária: trata-se de uma luta pela existência, pela cultura e pelo modo de vida tradicional.

As comunidades de fundo e fecho de pasto têm origem em formas coletivas de uso da terra voltadas para a criação extensiva de animais, o extrativismo e a agricultura familiar. Seus territórios são tradicionalmente ocupados e manejados de forma sustentável há gerações. No entanto, a falta de regularização fundiária e o avanço de cercamentos ilegais, incentivados por títulos irregulares, vêm ameaçando sua integridade. Essas comunidades, apesar de sua relevância socioambiental, permanecem invisibilizadas pelo Estado.

O povo Kaimbé enfrenta desafios semelhantes aos das comunidades de fundo e fecho de pasto. Suas terras estão oficialmente demarcadas, conforme reconhecido pelo Estado da Bahia e divulgado em reportagens recentes, como a do portal G1. No entanto, mesmo com a demarcação, o território da Aldeia Massacara permanece vulnerável à grilagem, especulação e à imposição de atividades econômicas que desconsideram os interesses e a cultura da comunidade. A efetivação plena dos direitos territoriais indígenas depende não só do reconhecimento legal, mas da proteção efetiva contra invasões e violações.

Nina Kaimbé da Comunidade Indígena Massacará – Euclides da Cunha-BA/Fonte: Arquivo

A grilagem moderna se vale de registros cartoriais irregulares, falsificação documental e superposição de títulos para legitimar a ocupação indevida de terras públicas ou coletivas. Em muitos casos, o próprio Estado contribui para essas práticas por meio da omissão ou atuação ineficiente de órgãos como o INCRA e a FUNAI. A responsabilização estatal por essa negligência é cada vez mais reconhecida, inclusive em âmbitos internacionais de proteção aos direitos humanos.

O caso recente da implantação do parque eólico de Canudos expôs outra face da violação de direitos: a ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades afetadas, como determina a Convenção 169 da OIT. Mais de 80 entidades da sociedade civil encaminharam um manifesto à ONU denunciando as violações associadas a esse empreendimento, que também foi alvo de pareceres contrários emitidos por órgãos técnicos como o ICMBio e o Conselho Regional de Biologia (CRBio). A insegurança se intensifica com a tramitação do Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como “PL da devastação”, que flexibiliza o licenciamento ambiental e pode consolidar práticas que ignoram os direitos de povos e comunidades tradicionais. Além disso, já há especulação fundiária para instalação de empreendimentos de energia eólica no território da Aldeia Massacará, agravando o cenário de insegurança jurídica e ameaçando ainda mais os direitos do povo Kaimbé.

No caso dos fundos e fechos de pasto, destaca-se a Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais, além de iniciativas como cartografias sociais e protocolos de consulta. Já entre os povos indígenas, ações do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União e de organizações da sociedade civil fortalecem a luta pelo território e pelo direito à autodeterminação.

Proteger os territórios tradicionais da grilagem é um imperativo constitucional e ético. A efetivação de políticas públicas de regularização fundiária, com base no reconhecimento da diversidade sociocultural do Brasil, é essencial para garantir justiça histórica e dignidade aos povos tradicionais. Reconhecer e titular essas terras não é um favor: é obrigação legal do Estado brasileiro e condição para um futuro mais justo e plural.

Drª Marlene Reis


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