














Documentos internos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) revelam que 70% das entidades que firmaram Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) para efetuar descontos sobre aposentadorias pagaram operadores investigados pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU) por envolvimento no esquema bilionário de fraudes contra aposentados, revelado pelo Metrópoles.
Dos 40 ACTs firmados e renovados pelo INSS desde os anos 2000, 27 evidenciam a contratação de empresas que pertencem aos próprios dirigentes das entidades, firmas suspeitas de assinaturas fraudulentas e procurações para lobistas da Farra do INSS. Os papéis analisados pela englobam trâmites de pedido, aceite e manutenção dos acordos que permitiam descontos de mensalidade associativa direto no contracheque dos aposentados.
O número de 27 entidades corresponde a praticamente o dobro das associações que foram alvo da Operação Sem Desconto, deflagrada pela PF e pela CGU em abril deste ano, com base em reportagens do Metrópoles. Há diversos casos em que mais de uma entidade é representada pelo mesmo lobista no INSS, o que também não despertou alerta no órgão, e de apresentação de fichas de biometria com fotos idênticas a dos RGs dos aposentados. As empresas e os lobistas contratados por essas entidades estão sob investigação.
As digitais do Careca do INSS
Em sete processos para firmar acordos com o INSS, entidades anexaram e-mails, procurações e pedidos assinados pelo lobista Antônio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS (foto em destaque), à Diretoria de Benefícios do INSS. Consta, por exemplo, uma série de documentos entregues por Antunes por meio de uma procuração assinada pela faxineira Maria Inês Batista de Almeida, ex-presidente da Ambec, entidade que faturou R$ 500 milhões com descontos de aposentados entre 2021 e abril deste ano.
Ela trabalhava para a Prevident, empresa de Maurício Camisotti, e morreu em novembro de 2024. Camisotti é apontado pela PF como beneficiário final de ao menos três entidades envolvidas nas fraudes e foi preso no mês passado, junto com o Careca do INSS.
À CPMI do INSS Antunes acabou revelando que nunca teve contato com dirigentes da Ambec, Cebap e Unsbras, apenas com Camisotti. Segundo o lobista, o empresário seria o “representante” dessas associações. Em uma das petições em nome da Ambec, o Careca do INSS pediu, em meio à pandemia, para que a entidade pudesse entregar filiações com uso apenas de assinaturas digitais. Mais tarde, a associação enviaria ao INSS fichas de filiação que não tinham sequer um site ou QR Code que permitisse checar qual empresa confeccionou o documento e sua autenticidade.
Outras sete entidades apresentaram procurações e pedidos em nome do Careca do INSS ou mesmo conexões com seus sócios. A Abenprev, por exemplo, alugou um imóvel de Domingos Sávio, que é sócio do lobista em call centers. Em contratos com entidades, Antunes ficava com uma comissão de 27,5% sobre cada nova filiação obtida por meio de suas empresas. Entre as empresas que apresentaram digitais do Careca do INSS em seus documentos, estão a Keeper, a Cebap, a Unsbras, a AP Brasil e a Asabasp.
Reunião com operadora
Outra investigada por operar para entidades e por pagar dirigentes do INSS é Cecília Rodrigues Motta. Em documentos entregues pela Cenap Asa, Keeper e AAPEN, o nome da advogada está presente em contratos com prestadores de serviços. Em um desses documentos, consta que Cecília e Igor Delecrode participaram juntos de uma reunião por vídeo com representantes da Diretoria de Benefícios do INSS, em novembro de 2024.
O papel de Cecília na Farra do INSS é idêntico ao do lobista Antunes. Seu escritório, segundo a PF, recebeu R$ 14 milhões de associações envolvidas nas fraudes. Ela pagou R$ 630 mil a empresas da esposa do ex-procurador-geral do INSS Virgilio de Oliveira Filho. O escritório de advocacia de Cecília, por sua vez, fez repasses de R$ 520 mil para Éric Fidelis, filho do ex-diretor de Benefícios do INSS André Fidelis.
Intermediários fora do rastro da PF
Procurações juntadas aos autos dos acordos mostram que o INSS recebeu mais de uma vez os mesmos procuradores de diferentes entidades. Parte deles não é investigada pela Polícia Federal. É o caso, por exemplo, do advogado Cecílio Galvão, que tem procuração da Unibap.
A entidade, como mostrou o Metrópoles, também contratou Pietro Lorenzoni, filho do ex-ministro da Previdência Onyx Lorenzoni (PP). Com escritório em Recife, Cecílio recebeu procuração de uma aposentada de Taguatinga, no entorno do Distrito Federal, para atuar pela Unibap.
Já a AAPB e a CAAP contrataram um mesmo advogado do Rio de Janeiro, enquanto a Cinaap e a Asabasp buscaram um advogado goiano para representá-las no INSS em seus acordos de cooperação técnica.
Empresas de dirigentes
A mesma Ambec que deu procuração ao Careca do INSS enviou diversos ofícios com a assinatura de um funcionário da Prevident, empresa que pertence ao grupo de Maurício Camisotti. Houve, ainda, casos em que assinaturas digitais e biometria das entidades entregues ao INSS eram validadas por empresas que pertenciam aos próprios dirigentes das entidades. Essas mesmas empresas, mais tarde, viriam a ser suspeitas de fraudar essas filiações.
Um dos casos mais emblemáticos é o dos diversos sites de validação de assinatura criados pela Power Bi Tech, do empresário Igor Dias Delecrode. Ele tem pouco mais de 30 anos de idade, mas foi dirigente de três associações. Seus serviços foram prestados a oito entidades que faturaram R$ 1,4 bilhão com a farra dos descontos indevidos.
Como mostrou o Metrópoles, fichas de assinaturas dessas entidades têm sido desconsideradas pelo Judiciário. Em um dos casos, por exemplo, a latitude e longitude do local onde foi feita a assinatura mostrava o idoso se filiando a 580 quilômetros de sua casa. A entidade foi condenada a indenizá-lo. Ao todo, oito entidades contrataram a empresa de Delecrode.
Há outros casos semelhantes. Como mostrou o Metrópoles, o ex-gerente do BMG Anderson Ladeira fundou a AASPA em 2022, logo após sair do banco. Ele entregou ao INSS fichas de filiação de aposentados à AASPA feitas pela Dataqualify, empresa da qual é sócio.
Outro investigado pela PF por operar para entidades é Thiago Schettini. Sua empresa, a Pagglo, aparece contratada pela Keeper em seu acordo de cooperação. Já a Confia, também investigada por supostas fraudes, presta serviços à ANAPPS e ao Sindnapi, que tem como vice-presidente Frei Chico, irmão do presidente Lula. O Metrópoles mostrou que o Sindnapi fez pagamentos milionários a empresas de seus próprios dirigentes.
Procurados, os suspeitos citados não retornaram até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
A Confia enviou uma nota na qual afirma ser “idônea sob todos os aspectos, e igualmente cumpridora de todos os deveres perante à legislação, sejam obrigações tributárias, cíveis, trabalhistas, de proteção de dados ou quaisquer outros aspectos”.
A empresa afirma, ainda, que “foi mencionada no contexto das investigações da CGU sobre descontos associativos porque, de fato, prestou serviços relativos a identificação de pessoas para entidades que estão sendo investigadas por aquele órgão”.
“Esses contratos fazem parte de um conjunto grande e diversificado de clientes, sendo que em todas essas operações o resultado é de extrema confiabilidade e segurança jurídica na identificação de pessoas, conforme atestam os próprios contratantes”, afirmou.
A empresa ainda afirmou que fez uma reunião com a CGU em setembro na qual “demonstrou a chamada ‘Trilha completa de auditoria’ de cada transação de identificação de pessoas, incluindo: comprovação dos dados de geolocalização, horários de emissão de certificados digitais, e ainda registros de liveness (prova de vida por biometria), permitindo a plena rastreabilidade e garantindo segurança jurídica às transações”.
“A empresa reafirma seu compromisso histórico com a legalidade, a ética e a transparência, mantendo-se à disposição das autoridades competentes e da sociedade para prestar todos os esclarecimentos necessários”, concluiu.
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