O licenciamento ambiental é um dos pilares da política ambiental brasileira, previsto na Lei nº 6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente. Longe de ser uma mera formalidade, trata-se de um instrumento preventivo essencial para garantir que atividades potencialmente poluidoras não comprometam o equilíbrio ecológico, a saúde pública e os direitos das futuras gerações. Nesta Semana do Meio Ambiente, em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), é necessário reafirmar que proteger a natureza não impede o desenvolvimento — ao contrário, é o que torna o progresso viável, seguro e justo. Infelizmente, o Brasil já conviveu com tragédias de enorme impacto ambiental e humano causadas por licenças concedidas com pressa, baseadas em estudos frágeis ou com condicionantes ignoradas. Mariana (2015) e Brumadinho (2019) são exemplos emblemáticos: ambas as barragens foram licenciadas, apesar de alertas técnicos prévios sobre riscos de colapso. Em Belo Monte, o processo foi marcado por forte pressão política e licenças emitidas sem o cumprimento integral das condicionantes, prejudicando comunidades indígenas e ecossistemas amazônicos.
No sertão baiano, o caso judicial do Parque Eólico de Canudos ilustra um problema semelhante em nível regional. O empreendimento foi licenciado pelo órgão estadual sem a exigência do indispensável Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA), mesmo estando em uma área de alta sensibilidade ecológica. Consultorias contratadas pelas empresas responsáveis omitiram, em seus pareceres, a presença da Arara-azul-de-lear, espécie ameaçada de extinção e símbolo da fauna local. Trata-se de um flagrante conflito de interesses, em que pareceres técnicos deixam de cumprir seu papel científico para atender a interesses econômicos — um comportamento não apenas antiético, mas também ilegal. Esse tipo de flexibilização é uma armadilha. O que o país precisa não é de menos rigor ambiental, mas de mais capacidade técnica, independência e transparência dos órgãos de licenciamento.
A Constituição Federal, no artigo 225, assegura o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao poder público o dever de defendê-lo, inclusive por meio de um licenciamento criterioso. Quando o Estado falha nesse dever — por omissão, negligência ou pressão política —, pode ser responsabilizado civilmente, com base na responsabilidade objetiva prevista na Constituição. Além disso, os agentes públicos envolvidos também podem ser responsabilizados criminalmente. A Lei de Crimes Ambientais prevê sanções para quem emite laudos falsos, omite riscos ou se omite diante de potenciais danos. O princípio da precaução exige que, diante da dúvida técnica, a licença seja negada ou condicionada a garantias robustas.
No Congresso Nacional, o debate sobre o Projeto de Lei nº 2.159/2021 reacende esse risco. A proposta visa simplificar o licenciamento, inclusive dispensando sua exigência em diversas atividades supostamente de baixo impacto, ignorando que o contexto ambiental pode transformar impactos menores em grandes ameaças. Entidades científicas e da sociedade civil alertam que o texto, se aprovado como está, representará um grave retrocesso, enfraquecendo a proteção ambiental sob o pretexto de desburocratizar.
O clima de tensão institucional ficou evidente na recente audiência da Comissão de Infraestrutura do Senado, onde a ministra Marina Silva foi hostilizada por defender critérios técnicos mais rigorosos. O episódio escancarou o embate entre uma visão de desenvolvimento sustentável e outra que vê o licenciamento ambiental como empecilho, mesmo diante de evidências trágicas. A hostilidade a uma autoridade que defende o princípio da precaução revela a resistência de setores que, em nome da “agilidade”, insistem em desconsiderar as lições históricas de negligência e omissão ambiental no Brasil.
Preservar o meio ambiente não é obstáculo ao progresso, mas sua condição essencial. Licenciar com responsabilidade é proteger vidas humanas, comunidades inteiras e o patrimônio natural do país. O caso de Canudos ainda carece de estudos, reanálise do órgão ambiental estadual e decisão judicial, o que reforça o alerta: não há avanço legítimo quando ele se constrói sobre a omissão, a negligência ou a manipulação técnica. Para que o desenvolvimento seja verdadeiramente sustentável, é indispensável fortalecer — e não enfraquecer — os instrumentos de controle ambiental.
Colunista jurídica: Drª Marlene Reis
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