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Metamorfose Ambulante: Entenda influência da Bahia na evolução do rock brasileiro

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“Basta ser sincero e desejar profundo, você será capaz de sacudir o mundo”, é o que diz a letra de “Tente Outra Vez”, um clássico eternizado no rock brasileiro pelo baiano Raul Seixas. Em 2025, essa música completou 50 anos e Raul completaria 80 anos. No mês em que se comemora do Dia do Rock, o Bahia Notícias relembra a história desse movimento musical e cultural que, na Bahia, exportou nomes como o próprio “Maluco Beleza”, Novos Baianos, Camisa de Vênus e Pitty. 

 

Para compreender esse movimento, o BN entrevistou o músico Tom Tavares, formado em Composição e Regência na Escola de Música (EMUS) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Sobre as peculiaridades do ritmo, o músico, que é roqueiro de longa data, afirma não ser possível definir as características que o diferenciam.

 

“Porque eu já não sei mais o que é, o que não é rock. […] Hoje eu não sei mais o que não é rock”, declarou. “O universo do rock hoje se ampliou de maneira tal que fica difícil definir o que é/qual é a essência do rock, porque ele virou várias coisas no final das contas, entendeu?”, confessou. 

 

E como se propôs Raul Seixas, Tavares afirma que a proposta do rock no final dos anos 1950 e início dos anos 1960 era “causar alguma ebulição, causar alguma revolução dentro do universo sonoro mundial”. “A gente tem o rock inicial, que era totalmente despretensioso, era uma música, era um entretenimento puro. É para você brincar, para você dançar”, contou. “Os anos 60 se caracterizam por ser uma década em que o mundo teve uma revolução como nunca antes, em todos os campos”, relembrou. 

 

E foi por meio de referências como Little Richard, Chuck Berry, Elvis Presley, The Beatles, Rolling Stones e outras bandas com músicas em inglês que o rock chega ao Brasil e à Bahia. É essa influência e seus desdobramentos que o jornalista e pesquisador de Cultura e Identidade na UFBA, Zezão Castro, analisa em seu livro “A Jovem Guarda na Bahia”, publicado em 2015. 

 

“O rock chegou à Bahia em 3 de fevereiro de 1957, do ponto de vista massivo, com a estreia, no Cinema Guarani, do filme ‘Ao Balanço das Horas’, de Fred Sears. E ele já vinha precedido de uma certa publicidade sensacionalista, porque no Rio [de Janeiro] e São Paulo os jovens quebravam o cinema, começavam a dançar na frente da tela, jogar pipocas para o alto e fazer aquelas danças, tudo isso assustou um pouco”, detalha Castro. 

 

Um admirador e entusiasta da carreira de Raul, o jornalista, que é natural de Camacan, no sul baiano, estudou justamente os artistas que surgiram entre os anos 60 e 70, diretamente influenciados pelo rock internacional. No entanto, para ele, o movimento da jovem guarda na Bahia foi camuflado aos olhos do público devido ao crescimento simultâneo de outras referências. 

 

“Eu costumo dizer que a Jovem Guarda na Bahia foi um movimento bastante subestimado, porque daqui saíram também da Tropicália, Caetano, Gil, então tinha, vamos dizer, uma concorrência muito alta. Fora isso, já tinha todo um imaginário em cima do samba, por causa de Dorival Caymmi, por conta da Bahia ser o celeiro do samba no Brasil”, reflete. 

 

“Teve uma importância realmente nas décadas seguintes, quando se estruturou o que é a MPB. Então, é nesse sentido que eu acho que a jovem guarda é um movimento subestimado. Na minha tese, eu contabilizei umas 80 bandas aqui em Salvador, e mais 30 em cidades do interior, então, tem um substrato que se desdobrou em importantes forças do rock nas décadas seguintes”, conclui. 

 

A CONSOLIDAÇÃO DO FENÔMENO 
O crescimento dessa manifestação cultural pode ser acompanhada pela trajetória de Raul Seixas, considerado o pai do Rock brasileiro. Na segunda metade anos 1960, o gênero musical vai se transformando muito em relação a sua letra.

 

No Brasil, o período foi marcado pelo surgimento do ídolo baiano. “O rock produzido na Bahia, nos anos 1960, era aquele rock que ainda tava muito linkado com as baladas. Era rock balada, digamos assim… Músicas mais lentinhas, muitas sem muito vigor, do ponto de vista de provocar atividade física, mas eram baladas. Se você pegar o primeiro disco do Raul, ‘Raulzito e os Panteras’, ele é um disco que a grande maioria não considera que seja um disco de rock, porque é um disco que hoje é visto como balada”, explica Tom Tavares.

 

Na década de 60, Raul ainda era o vocalista da banda Raulzito e os Panteras, quarteto musical diretamente inspirado pela banda britânica The Beatles. Com um único disco, lançado em 1968, a banda foi considerada uma das mais relevantes do rock da época. 

 

“Era uma música que chamo de música de transição, ainda para aquilo que verdadeiramente acabou acontecendo na metade dos anos 60. E nesse período também tem um disco gravado pelo Pepeu Gomes, era um compacto, ‘Os Minos’, de Pepeu Gomes e outros irmãos dele, era uma coisa também assim, um roquinho”, conta Tavares.

 

 

Após a falta de repercussão da banda na Bahia, “Raulzito” se mudou para o Rio de Janeiro, onde teve mais contato com a Jovem Guarda dos anos 70. Foi nesse momento que o soteropolitano viveu o auge da sua carreira, primeiro como produtor de discos na CBS e depois como artista solo, com o lançamento de cerca de oito discos, incluindo os clássicos do álbum Krig-ha, Bandolo!, de 1973, “Mosca na Sopa” e ‘Metamorfose Ambulante”. 

 

A ascensão do baiano teve explicação: o artista ficou conhecido por misturar referências de diversos ritmos em seus trabalhos, como country. O pesquisador Zezão Castro explica que essa escolha pautou toda a produção rockeira da época. “Nos anos 70 o rock se dilui em misturas. Acho que os Novos Baianos são um marcante disso e tem a questão da eletrificação da música. Mas assim, nada [novo] acontece em termos de rock and roll puro. Mas esse eixo [de experimentação] ficou muito no Sudeste, no Rio e São Paulo”, conta. 

 

 

A ascensão e a “queda” de Raul foram rápidas. Nos anos 80, Raul lançou outros cinco trabalhos de músicas inéditas, mas tem a vida pessoal e profissional marcada pelos excessos: períodos sem contrato, divórcio, nascimento de sua terceira filha e o excesso de drogas que, junto a um diagnóstico de diabetes e uma parada cardíaca, o levaram à morte aos 44 anos. 

 

O maior destaque foi o “Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!”, que ganhou disco de ouro, marcado por músicas como “Cowboy Fora Da Lei” e “Gita”. Na Bahia, Zezão relembra que os anos 80, momento de crescimento do movimento Axé Music, consolidou o rock local como combativo e rebelde. “O rock na Bahia é sempre esse contexto de resistência. O próximo marco é a Camisa de Vênus, a partir de 82, que gravou um compacto, bem punk rock, de Marcelo Nova e companhia, também dando uma bicuda total no sistema. ‘Salvador, cidade do axé, vira a cidade do horror’, e essas são as contribuições ao rock”, relata o jornalista. 

 

DA BAHIA PARA O FUTURO
Para Zezão, o novo fôlego do rock na Bahia só retorna nos anos 2000, em um movimento que volta a exportar os baianos para o Brasil e o mundo. Um dos maiores exemplos é a soteropolitana Pitty e seu “Admirável Chip Novo”, de 2003, e a banda Vivendo do Ócio com “Nem Sempre Tão Normal”, de 2009. O Bahia Notícias entrou em contato com a banda, que esse ano celebra 19 anos de carreira e se prepara para o lançamento do seu 5º álbum de estúdio. 

 

A banda surgiu em 2006 com Jajá Cardoso, Lucas Bori e uma proposta de criar uma música sobre suas vivências soteropolitanas e suas identidades a partir de inspirações como Foals, Gang of Four, The Strokes e The Jam, referências no rock alternativo e punk-rock. Espaços como os antigos Boomerang, Commons e Portela Café serviram de palcos para a consolidação de diversas bandas do gênero na capital baiana. 

 


Foto: Alan dos Anjos / Divulgação 

 

Segundo conta Jajá Cardoso, apesar da existência de diversas bandas na cidade, a música não tinha grande visibilidade da mídia e o preconceito com o rock ainda é algo forte. “Muitas pessoas nem se permitem ouvir gêneros alternativos para saber se gostam. Já ouvimos coisas como ‘não gosto de rock, mas gosto do som de vocês’, o que mostra como o acesso molda o gosto”, explica Jajá. 

 

Apesar disso, a banda aponta que a recepção do público em Salvador continua sendo especial, mesmo tendo conhecido outros espaços passando por festivais como Rock in Rio e Lolapalooza. “A recepção sempre foi boa, o comportamento do público nos shows comparando com Salvador não tem igual, afinal é a nossa terra e baiano sabe curtir como ninguém música ao vivo. As pessoas se entregam!”.

 

O último lançamento da banda, a canção “Baila Comigo”, faz parte de seu próximo álbum de estúdio. Com quase 20 anos de estrada, o single foi feito em parceria com um fã da banda, o artista Paulo Miklos, ex-Titãs. “Essa colaboração surgiu porque quando essa música ficou pronta, sentimos que ela tem muito a ver com o trabalho dele no Titãs, então conseguimos contato e ele aceitou”, contou Jajá.

 

Palco de grande referências do rock no país, a Bahia exporta não apenas bandas e grandes nomes, como identidades próprias. O gênero produzido no estado incorpora características e influências outras em seu ritmo. “Os artistas baianos têm o molho, podemos misturar o que a gente quiser com o rock ou qualquer outro gênero porque somos berço musical e temos propriedade para experimentar sem parecer forçado”, garante o integrante do Vivendo do Ócio. 

 

O músico Tom Tavares concorda. Para ele, o rock baiano adquiriu um diferencial em sua produção: a absorção da cultura afro. “Ele absorveu, de alguma forma, ainda que não explicitamente, alguns conteúdos da cultura afro. Falando do ponto de vista rítmico, muita gente acabou absorvendo isso e botando dentro da sua música. Porque, nessa coisa do ritmo, existe o negócio chamado compasso, e você pode botar basicamente todo e qualquer ritmo dentro de um compasso”, declarou. 


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