


O Ministério do Esporte defendeu a liberação de recursos para a Associação Moriá, ONG que recebeu emendas de R$ 53,3 milhões de parlamentares do Distrito Federal. Foi a pasta que deu o sinal verde, com base em informações falsas, para a entidade receber emendas que chegam a R$ 59,5 milhões.
Parlamentares do Distrito Federal enviaram uma emenda de R$ 37,9 milhões, no apagar das luzes de 2024, para a ONG ensinar alunos da rede pública do DF a jogar games como Free Fire e LoL. Há informações falsas no atestado de capacidade técnica e no projeto técnico-pedagógico apresentados pela associação e aceitos pelo Ministério do Esporte.
Mesmo com os dados fakes, no dia 30 de dezembro de 2024, o Ministério do Esporte assinou o Termo de Fomento nº 727/2024 com a Associação Moriá para a execução dessa emenda.
Veja quem enviou emenda para o projeto gamer no DF, entre 2023 e 2024:
- deputado federal Fred Linhares (Republicanos): R$ 27,6 milhões;
- senador Izalci Lucas (PL): R$ 15,5 milhões;
- deputada federal Bia Kicis (PL): R$ 1,5 milhão;
- deputado federal Julio Cesar (Republicanos): R$ 800 mil; e
- deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania): R$ 500 mil.
Questionada pelo Metrópoles sobre a falsa parceria com a Secretaria de Educação do DF informada pela Associação Moriá para desenvolver o projeto gamer, o Ministério do Esporte alegou que o projeto ainda será estruturado, após a liberação da primeira parcela dos R$ 37,9 milhões.
“Para liberações subsequentes, a entidade deverá comprovar a execução física e financeira da estruturação mediante a apresentação de registros fotográficos dos materiais adquiridos, das estruturas e do espaço físico dos núcleos ou dos locais onde serão realizados os eventos”, informou.
Segundo o Ministério do Esporte, a responsabilidade pela veracidade das informações apresentada pela ONG é da própria entidade.
“Reforçamos a informação de que ainda não houve repasse financeiro para o caso em concreto. E que, conforme interesse da entidade, há a possibilidade de alterações quanto ao local de execução do objeto”, declarou a pasta federal. “Importa-se evidenciar o caráter impositivo da emenda, indicada pela bancada do Distrito Federal, e que a responsabilidade pela veracidade das informações apresentadas é da entidade, o que não impede a realização de investigações e auditorias pelos respectivos órgãos competentes”, concluiu.
Parceria fake
A Secretaria de Educação do DF disse à reportagem que foi procurada pela Associação Moriá em agosto de 2024, mas a parceria foi rejeitada por não haver “entendimento técnico-pedagógico-administrativo que justificasse sua aprovação e execução, no momento”.
“A proposta foi analisada tecnicamente por áreas internas da Secretaria, mas não foi aceita pela pasta. Portanto, não houve formalização de qualquer parceria ou instrumento de execução com esta ou qualquer outra entidade para fins de implementação do referido programa”, declarou a pasta.
“Cabe destacar que, no âmbito da Secretaria de Educação, a análise de propostas pedagógicas não se restringe à avaliação de um único setor ou parecer individualizado. Trata-se de um processo coletivo e técnico, que envolve diversas instâncias e, sobretudo, preza pelo alinhamento com a prática dos professores e com os objetivos educacionais da rede pública de ensino”, pontuou.
A Associação Moriá disse que incluiu a Secretaria de Educação do DF como parceria com base em “manifestações de interesse mútuo”. A ONG declarou que “o plano de trabalho será devidamente ajustado, de forma a garantir a plena aderência às diretrizes operacionais e às metas estabelecidas”.
“Por fim, vale ressaltar que caso as parcerias não se concretizem, as informações correspondentes poderão ser ajustadas oportunamente, sem prejuízo à execução do projeto ou à imagem instituição”, pontuou.
Entenda o caso
- A Associação Moriá foi indicada por parlamentares do DF para receber R$ 46 milhões em emendas com objetivo de desenvolver um projeto gamer.
- O Metrópoles revelou que a entidade tem como diretor financeiro um motorista e a diretora operacional é uma esteticista.
- O atual presidente da associação foi cabo do Exército até 2019.
- A organização da sociedade civil (OSC) não funciona no endereço informado aos órgãos públicos.
- Com base na reportagem do Metrópoles, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino cobrou explicações da Advocacia-Geral a União (AGU) e do Congresso Nacional.
- Dino informou, no despacho, que esses fatos podem impedir o pagamento das emendas parlamentares à Associação Moriá.
- No total, a ONG foi a destinatária de emendas de parlamentares do DF que somaram R$ 53,3 milhões, entre 2023 e 2024. Desse valor, R$ 8 milhões já foram efetivamente pagos.
- Contando as indicações de deputados de outras unidades da Federação, a Associação Moriá abocanhou um total de R$ 74,5 milhões nesse período, de acordo com o Portal da Transparência do governo federal.
- A entidade atestou “capacidade técnica” com autodeclaração assinada pelo próprio presidente.
- A Associação Moriá recebeu o sinal verde para movimentar milhões de reais com base em um atestado com informação falsa: diz que atendeu 3,5 milhões de jovens em Anápolis (GO), cidade com 398 mil habitantes de todas as faixas etárias.
O que dizem os parlamentares do DF
O deputado federal Fred Linhares (Republicanos) disse que “seu papel se restringe à indicação de recursos ao ministério competente, responsável pela análise técnica, aprovação e execução do projeto apresentado pela entidade proponente”. “Cabe exclusivamente ao governo federal, por meio dos ministérios, avaliar a viabilidade do projeto, atestar a capacidade técnica da instituição e autorizar a liberação dos recursos. O parlamentar não participa da contratação da entidade nem da execução do projeto, que é acompanhada pelos órgãos de controle interno e externo”, disse.
“A indicação teve como premissa um projeto com forte impacto social: a oferta de cursos profissionalizantes voltados para alunos da rede pública, especialmente nas áreas de tecnologia e inovação, com foco em carreiras do futuro. Trata-se de uma iniciativa que visa preparar jovens para o mercado de trabalho e fomentar a inclusão digital, deixando um legado importante para a educação do Distrito Federal”, declarou o parlamentar.
O senador Izalci Lucas (PL) disse que “o Programa de Jogos Educacionais Digitais no Distrito Federal (Jedis-DF) é uma iniciativa da Associação Moriá, realizada em parceria com o Instituto Federal de Brasília (IFB) e o Serviço Social do Comércio (Sesc), e sua execução se dá por meio do Ministério do Esporte, que o aprova e o executa”.
A deputada Bia Kicis disse (PL) que “a indicação dos recursos foi feita por meio de emenda de bancada, por indicação do deputado Fred Linhares, e foi aprovada de forma coletiva, para um projeto que considero relevante: qualificação de jovens em áreas digitais, com foco nos jogos digitais e tecnologia, setores importantes para o futuro do DF e geração de emprego e renda”.
“A associação indicada apresentava toda a documentação exigida pela legislação no momento da destinação e estava habilitada formalmente a executar o projeto, como tantas outras entidades parceiras do poder público. A escolha teve como critério o mérito da proposta apresentada, que se conecta à necessidade de formação profissional e inovação”, afirmou a parlamentar.
A deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania) disse que “os recursos de emenda parlamentar foram destinados a um projeto social apresentado pelo professor Marcos Pacco, um educador reconhecido em todo o Distrito Federal, focado no atendimento de crianças, adolescentes e de pessoas com deficiências (PCDs) na rede pública de ensino”.
“À época, a assessoria técnica da deputada analisou a alocação e não havia qualquer impedimento legal para a realização do aporte. Após a execução da emenda, a deputada acompanhou a realização do projeto. Em uma das ocasiões, em agosto de 2024, a deputada esteve no Centro Educacional (CED) 14 de Ceilândia, no Setor O, para o lançamento dos Jogos Estudantis Digitais de Brasília, realizados com recursos da emenda. Cabe ressaltar que o projeto apresentou a documentação para fins de prestação de contas e aguarda a análise técnica do nistério que executou os recursos”, informou a parlamentar do DF.
O deputado Julio Cesar Ribeiro (Republicanos) disse que “a destinação da emenda de bancada no valor de R$ 800 mil à referida instituição seguiu os trâmites legais previstos no orçamento público, limitando-se à indicação dos recursos ao ministério responsável, que conduz todas as etapas técnicas e operacionais do processo”.
“Cabe ao governo federal, por meio do ministério competente, avaliar a viabilidade da proposta, atestar a capacidade da entidade proponente, celebrar o convênio e liberar os recursos. A indicação teve como base o mérito social da proposta, voltada à oferta de cursos de qualificação profissional para jovens da rede pública, especialmente nas áreas de tecnologia e inovação, promovendo inclusão digital e preparando os estudantes para o mercado de trabalho”, declarou.
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