Por Nelson Leoni, CEO e Cofundador da WideLabs
O Brasil vive um momento decisivo. O Projeto de Lei 2.338/2023, que cria o marco legal da inteligência artificial, não é apenas uma regulação tecnológica — é uma definição de rumo histórico: seremos protagonistas da transformação digital ou continuaremos como consumidores passivos das tecnologias de outros países?
Soberania tecnológica não é abstração. No século XXI, é tão essencial quanto energia e defesa. Quem domina a inteligência artificial determina seu próprio futuro — protege seus dados, garante relevância cultural e assegura autonomia em decisões estratégicas, reduzindo riscos geopolíticos.
Oportunidade histórica
O mérito do PL é indiscutível: adota uma abordagem baseada em risco, protege direitos fundamentais e coloca o Brasil em linha com as melhores práticas globais. Mas, se não for ajustado, pode ter efeito paradoxal: proteger em excesso e engessar a inovação nacional. O risco é real — transformar a lei em um entrave que fortaleça ainda mais a dependência de big techs estrangeiras, enquanto penaliza startups e empreendedores brasileiros.
A pergunta é clara: o Brasil quer construir motores próprios de IA ou apenas abastecer carros estrangeiros com nossos dados?

Ajustes cruciais
Para que o marco legal seja uma ponte para o futuro — e não uma âncora —, são necessárias correções. Alguns pontos se destacam:
- Clareza conceitual: diferenciar modelos fundacionais (os “motores”) das aplicações finais (os “carros”). A regulação deve incidir sobre o uso específico e seu impacto em direitos fundamentais, não sobre a tecnologia de base em si.
- Transparência viável: exigir explicabilidade total de grandes modelos de IA é tecnicamente impossível hoje. A lei deve, em vez disso, fomentar pesquisa nacional em auditoria e interpretabilidade, adaptada à nossa realidade.
- Sandbox regulatório com cautela: útil para casos excepcionais, mas se virar regra, congelará a inovação. É preciso ter critérios técnicos claros para classificar riscos reais, sem burocracia sufocante.
- Via rápida para a inovação nacional: startups não podem ter o mesmo peso regulatório que multinacionais bilionárias. O PL precisa prever prazos estendidos, conformidade simplificada e sanções proporcionais ao porte das empresas.
- Soberania na prática e de fato: O texto ainda carece de mecanismos concretos para priorizar soluções brasileiras. É urgente estabelecer prioridade em compras públicas, análises de impacto soberano para adoção de tecnologias estrangeiras e fomento direcionado a projetos nacionais de IA.
Por que isso importa?
Sem soberania digital, não há soberania cultural nem econômica. Modelos treinados majoritariamente em inglês, com dados descontextualizados, tendem a silenciar vozes locais e perpetuar estereótipos. A diversidade linguística e cultural do Brasil precisa estar no DNA da inteligência artificial que usaremos.
Como bem sintetizou Rodrigo Malossi, CTO da WideLabs: “Soberania em IA não é apenas sobre quem treina os modelos — é sobre quem decide para que e para quem eles servem. E, acima de tudo, é garantir que eles jamais possam ser desligados por um governo estrangeiro.”
Outros países já compreenderam isso. A União Europeia reforça a soberania digital com o AI Act; França e Alemanha investem no GAIA-X; a China protege seus dados como ativo estratégico. O Brasil não pode se contentar em ser fornecedor de “matéria-prima digital” — nossos dados — para depois importar soluções embaladas do exterior.

Conclusão
O PL 2338 é mais do que um texto legislativo: é a chance de garantir ao Brasil autonomia tecnológica e relevância global. Uma regulação que proteja o cidadão, mas que também incentive, fomente e acelere a inovação nacional.
O maior risco não é a inteligência artificial em si — é depender dela sem ter controle sobre seu desenvolvimento. Essa janela histórica está aberta, mas não ficará assim por muito tempo.
Cabe ao Congresso, à sociedade civil e ao setor produtivo transformar esse marco em um instrumento de soberania, para que o Brasil não apenas acompanhe o futuro, mas o construa.
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