O longa-metragem Vento Norte, de Salomão Scliar, considerado pioneiro do cinema gaúcho, foi selecionado para a programação oficial do Festival Internacional de Cinema de Roterdã, que ocorrerá de 29 de janeiro a 8 de fevereiro de 2026.
O filme será exibido na mostra Cinema Regained, que destaca obras clássicas restauradas, documentários e produções experimentais sobre a cultura cinematográfica.
O anúncio da inclusão de Vento Norte foi feito no dia 16 de outubro.
Restaurado em 4K pela Cinemateca Capitólio, em parceria com a Cinemateca Brasileira, o filme terá duas exibições durante o festival, embora as datas ainda não tenham sido divulgadas.
Daniela Mazzilli, diretora da Cinemateca Capitólio, ressaltou a importância histórica da obra, que é o primeiro filme de ficção sonora realizado inteiramente no Rio Grande do Sul.
A restauração foi necessária, pois o filme, que havia sido digitalizado em VHS nos anos 1990, precisava de uma recuperação mais adequada às projeções digitais atuais.
A escassez de cópias do filme, que atualmente conta com apenas duas em 35 milímetros, uma delas no Rio Grande do Sul, também motivou a restauração.
A digitalização visa garantir uma cópia de melhor qualidade para circulação, já que as cópias em película estão se tornando obsoletas.
Existe a possibilidade de que uma cópia do filme esteja no Museu de Arte Moderna de Nova York, e essa informação está sendo investigada.
Vento Norte, rodado em preto e branco na cidade de Torres, no litoral gaúcho, retrata a rotina de uma vila de pescadores, que é abalada pela chegada de um forasteiro.
Situação de risco
O cineasta Salomão Scliar, que faleceu em 1991, era fotógrafo e trabalhou em importantes veículos de comunicação do Brasil.
Apesar de sua relevância, ele não é amplamente reconhecido pelas novas gerações de cineastas, principalmente por ter realizado apenas este único longa-metragem.
A pesquisa de Glênio Póvoas sobre a obra ajudou no processo de restauração. Assistir a Vento Norte no cinema é descrito por Daniela Mazzilli como uma experiência surreal.
A escolha do festival de Roterdã para a exibição do filme é vista como uma oportunidade significativa para o cinema gaúcho, já que o festival é um dos mais importantes do mundo.
O processo de seleção foi rigoroso, e a participação do filme em Roterdã poderá abrir portas para outras exibições internacionais.
Daniela Mazzilli afirmou que, além de sua questão histórica, de como foi realizado, em que local e momento, Vento Norte é um filme esteticamente muito lindo.
“É um filme brasileiro que precisa muito ser visto. É o elo entre o neorrealismo italiano e o cinema novo brasileiro, por conta da linguagem que é usada, pelo fato de serem não atores em boa parte do filme, pelas paisagens naturais, a forma como foi filmado”.
O filme
Primeiro longa-metragem de ficção com som inteiramente filmado no Rio Grande do Sul, no início da década de 1950, Vento Norte foi rodado em preto e branco na cidade de Torres, no litoral gaúcho. Muitos dos pescadores de Torres participaram do filme como atores.
A trama retrata a rotina de uma pequena vila de pescadores, abalada pela chegada de um misterioso forasteiro. Sua presença desperta paixões e desencadeia uma série de ações violentas entre os habitantes locais, conduzindo a trama a um desfecho trágico.
Município litorâneo do Rio Grande do Sul, Torres revela no filme uma paisagem de dunas e ventos pouco conhecida pelo resto do Brasil. Para Daniela, essa é uma outra forma de mostrar a grandeza do país, com a diversidade de formas comum aos próprios estados brasileiros.
“A gente tem no imaginário um Rio Grande do Sul serrano ou de pampa e, de repente, tu tens esse primeiro longa que é feito na praia, com pescadores, onde tem toda uma cultura própria”, descreve. “Realmente, é um filme em que a beleza da fotografia vai chamar bastante atenção”.
O longa foi montado no Rio de Janeiro, onde foi exibido pela primeira vez no Círculo de Estudos Cinematográficos, em janeiro de 1951.
Em maio deste ano, Vento Norte teve sessões no Museu de Arte de São Paulo e no Clube de Cinema de Porto Alegre. Em julho, também entrou em cartaz no Cinema Imperial, na capital gaúcha.
Salomão Scliar
O cineasta Salomão Scliar (1925-1991) era fotógrafo e trabalhou nos principais veículos do país. Apesar disso, a diretora da Cinemateca Capitólio reconheceu que ele não é muito conhecido pelas novas gerações de cineastas brasileiros.
“Justamente porque o Salomão só fez, em termos de longa-metragem, esse único filme. Como era, em essência, fotógrafo, ele acabou se dedicando muito mais à fotografia. Até mesmo quem estuda cinema provavelmente não conhece ainda esse filme, embora ele seja muito trabalhado no Rio Grande do Sul, porque é o primeiro longa sonoro aqui do estado”.
Daniela contou que o pesquisador Glênio Póvoas fez uma pesquisa muito extensa sobre essa obra, que acabou sendo um farol no processo de restauração do filme.
Ainda que Scliar seja pouco trabalhado nas escolas de cinema, ela acredita que vai ter um impacto muito importante as pessoas conhecerem esse único longa que ele fez.
“Vai inspirar outros, com certeza. Assistindo ao trailer do filme, percebe-se uma conexão com o cinema novo brasileiro, com Glauber Rocha em especial. Por isso que existe essa conexão com o cinema novo brasileiro”.
Experiência surreal
Para Daniela Mazzilli, assistir Vento Norte no cinema é uma experiência surreal. Desde que a Cinemateca iniciou o trabalho de digitalização da película e seu restauro, Daniela começou a conversar com alguns programadores de festivais, “porque é um filme que circula no imaginário de muitos programadores”.
“A gente vinha construindo em que lugar seria o lançamento dessa cópia, justamente em espaços que priorizam e que tenham esse olhar para o cinema de arquivo e para a importância de trazer filmes até então desconhecidos, de conhecer outras cinematografias. E, aí, Rotterdã realmente foi um presente para o cinema gaúcho nesse sentido”.
Para ser escolhido, Vento Norte passou por um processo de seleção, de curadoria e de programação para o festival. “É um processo longo. São meses de espera, de mandar cópia, porque é um time de curadores que faz esse processo de seleção. Roterdã é um dos mais importantes festivais do mundo. O funil é muito grande”.
No ano passado, concorreram 43 filmes nessa seleção de filmes de arquivo. São quase 400 filmes na seleção geral do festival, que tem diversas mostras.
“Ser o único filme brasileiro nessa mostra em específico é muito significativo. É realmente um trabalho de formiguinha, de meses”, celebrou Daniela.
Além de Roterdã, outros festivais que têm esse olhar para filmes de arquivo são Berlim, Cannes, Veneza e Locarno. Para o Brasil, a participação de Vento Norte em Roterdã é especialmente importante porque vai ser a primeira exibição mundial, que poderá abrir novas portas para outros festivais.
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