A reforma trabalhista de 2017 teve seus efeitos reduzidos pela pandemia da Covid-19, com o crescimento acelerado da uberização e da pejotização, e decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TST (Tribunal Superior do Trabalho) contra alguns dos dispositivos aprovados, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Uma nova atualização da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) seria necessária, mas com amplo debate, afirmam os estudiosos, oito anos após as mudanças.
Aprovada em julho de 2017, a reforma passou a ser aplicada em 11 de novembro daquele ano. Regras como o negociado sobre o legislado —quando a negociação coletiva vale mais do que diz a lei—, a demissão por acordo, a possibilidade de contrato intermitente e o fim do imposto sindical são vistas como pontos positivos pelos defensores das mudanças.
Quem é contra critica o fim da Justiça gratuita —posteriormente derrubado por STF e TST—, a falta de previsão de verba para manutenção dos sindicatos de trabalhadores e a flexibilização dos contratos, que na visão desse grupo acabou por precarizar as relações.
Um dos pontos da reforma foi a criação do contrato de trabalho intermitente, no qual o empregado é convocado pela empresa quando há demanda, sem dias fixos. Se trabalha, tem direito de receber salário e verbas trabalhistas, como FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), 13º salário e férias proporcionais.
A pesquisadora Janaína Feijó, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que a pandemia prejudicou a análise desse modelo. Levantamento feito por ela a pedido da Folha mostra haver crescimento gradual da participação desse tipo de contrato, que ainda representa uma fatia pequena do total de empregos formais, em torno de 5% ao ano.
Os dados até setembro mostram percentual menor, mas a professora projeta que até o final de 2025 esse deve aumentar. Para ela, é um contrato que se aproxima do trabalho autônomo, com o pagamento por demanda, mas não resolve o problema da uberização.
“Isso aproxima muito [o intermitente] do trabalho por conta própria, mas garante algum direito que contabiliza para a Previdência”, diz ela. A pesquisadora ressalta que setores como serviços e comércio têm maior adesão a esse tipo de vínculo, por envolverem, muitas vezes, atividades sazonais.
Janaína afirma que a reforma de 2017 não previu o surgimento e a rápida expansão de novas formas de trabalho, como a uberização, intensificada durante a pandemia e, por isso, defende que o Brasil deve, no futuro, realizar uma nova reforma trabalhista. O objetivo seria incorporar essas modalidades e repensar a distinção entre autônomos com CNPJ e trabalhadores ligados a aplicativos, como motoristas e entregadores.
Paula Montagner, subsecretária de estatísticas e estudos do Trabalho do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), tem se debruçado sobre o modelo intermitente. Ela afirma que mais de 60% dos contratos do tipo existentes hoje não têm convocação para o trabalhador prestar efetivamente o serviço –por isso, não há pagamento nem contribuição para a Previdência.
Ela classifica esses contratos como atípicos. Na Europa, são chamados de zero hora. “Eu sou obrigada a relatar esse vínculo, mas eles trabalharam zero hora e têm zero renda. Por qualquer leitura de mercado de trabalho tal como é validada pelos estatísticos, [esses contratos] são vínculos que, na prática, não ocorreram”, diz.
A especialista diz que os setores de alimentação e eventos são os que mais usam o modelo, assim como o comércio. “São as atividades que, de fato, têm características de intermitentes”, afirma.
Outra preocupação é com os contratos por tempo determinado, reforçados após a reforma, o que é classificado por ela como uma forma de precarização. “No setor público, especialmente na educação, isso tem se tornado regra. Professores substitutos e temporários são contratados e desligados várias vezes ao ano”, diz.
AÇÕES NA JUSTIÇA DO TRABALHO VOLTAM A SUBIR APÓS DECISÕES DE STF E TST
Decisões do STF e do TST a respeito da Justiça gratuita trouxeram reversão de um dos efeitos mais comemorados por quem é favorável à reforma, o da redução no número de ações no Judiciário trabalhista, com economia para empresas.
Estudo de FGV (Fundação Getulio Vargas), CNI (Confederação Nacional da Indústria) e MBC (Movimento Brasil Competitivo) mostra que foram economizados R$ 15 bilhões entre os anos 2022 e 2024 com a limitação das ações no Judiciário trabalhista. Agora, os valores devem voltar a subir. Em 2024, o número de novas ações bateu recorde.
Para os críticos da reforma, a limitação do acesso à Justiça gratuita foi um dos pontos mais cruéis. A medida, no entanto, recebeu veredicto contrário, primeiro, do STF, que em 2021 determinou que trabalhadores que ganham até 40% do teto da Previdência não precisam comprovar renda para ter gratuidade.
Depois, o TST definiu, em dezembro de 2024, que mesmo quem ganha valores maiores tem direito à Justiça gratuita, desde que apresente documento comprovando renda insuficiente, conhecido como “atestado de pobreza”.
O que deu certo e o que deu errado na reforma?
Outra mudança da reforma foi a demissão por acordo, quando empregado e empregador fecham acordo para o desligamento do profissional e ele tem direito de receber 20% da multa sobre o FGTS; o empregador fica com os outros 20%.
Janaína Feijó diz que o número permanece estável ano a ano, com cerca de 19 mil desligamentos mensais, totalizando 240 mil por ano, um dado que, mesmo abaixo das expectativas, reflete certa aceitação da medida.
A advogada Lariane Del Vechio, do escritóro Aith, Badari e Luchin Advogados, afirma que, passados oito anos, algumas das mudanças foram, de fato, incorporadas pelo mercado de trabalho e pela Justiça, mas outras realmente “não pegaram”.
Ela cita como exemplos o fim da limitação à Justiça gratuita, além da proibição de cobrança dos honorários de sucumbência —valor pago por quem perde a ação ao advogado da outra parte— para os considerados hipossuficientes, ou seja, sem capacidade financeira para o pagamento. Eles também não irão pagar perícia judicial, quando for necessário.
Outra decisão derrubada pelo STF foi o dispositivo que permitia o trabalho de gestantes e mães que amamentam em ambientes que trazem risco à saúde.
Outros pontos, como a implantação de banco de horas, diminuição do horário do almoço para 30 minutos, divisão de férias em três períodos, demissão por acordo e contrato intermitente seriam considerados positivos, sendo implantados mesmo após críticas.
O destaque fica com o negociado sobre o legislado. “Na prática, a medida está funcionando, os sindicatos e as empresas utilizam bastante esta negociação. Mas a regra não virou ‘carta branca’. O STF decidiu, no tema 1.046, que o negociado prevalece, mas não pode violar direitos constitucionais essenciais.”
Eduardo Pragmácio Filho, do Furtado Pragmácio Advogados e ocupante de cadeira na Academia Brasileira de Direito do Trabalho, também destaca o negociado sobre o legislado. “Na perspectiva do direito coletivo, um dos legados mais relevantes da reforma trabalhista reside na centralidade atribuída à negociação coletiva”, diz.
Para ele, uma nova reforma é necessária por causa das mudanças no mercado de trabalho. “As bases políticas, econômicas e sociais de quando foi criada a CLT são completamente diferentes da atual. Hoje vivenciamos um estado democrático de direito, em uma economia globalizada e altamente conectada.”
Jorge Boucinhas, professor da FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas) e da faculdade de direito do Mackenzie, também defende uma atualização na CLT, mas não nos moldes da de 2017.
A ideia seria produzir um “código” e não um consolidado, como foi feito com a própria CLT em 1943.
“Mesmo a CLT já nasceu assistemática, porque é consolidação, não um código, e fomos fazendo um monte de puxadinhos. Precisamos ajustar a legislação trabalhista”, afirma.
Colaborou Júlia Galvão
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