O Brasil figura entre os maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. Sob o pretexto de garantir produtividade no campo, toneladas de substâncias altamente tóxicas são despejadas diariamente sobre as lavouras, contaminando solo, água, ar e ameaçando a saúde da população. Essa prática compromete ciclos naturais, desequilibra ecossistemas e coloca em risco a segurança alimentar das gerações atuais e futuras. A liberalização de produtos já banidos na União Europeia, aliada ao modelo de monocultura intensiva, revela um paradoxo: enquanto o país se apresenta como potência agroambiental, tolera práticas que envenenam os biomas e silenciam espécies inteiras.
Tecnologias como pulverização aérea, drones e tratores automatizados, embora promovidas como avanços, aumentam os riscos de deriva química — a dispersão descontrolada de agrotóxicos — especialmente em condições climáticas adversas. Foi o que ocorreu recentemente em Euclides da Cunha e Ribeira do Pombal, onde milhares de abelhas morreram em decorrência da aplicação de pesticidas. A tragédia comprometeu a produção de mel e provocou prejuízos econômicos a dezenas de famílias que vivem da apicultura, rompendo também o ciclo da polinização natural, essencial para a produção agrícola.
Em toda a região de Euclides da Cunha e municípios vizinhos, muitas famílias dependem da criação de abelhas, seja na apicultura tradicional ou na meliponicultura com espécies nativas (sem ferrão). A família de Neide Morais, apicultora de Euclides da Cunha e Vanivon, meliponicultor de Monte Santo, são exemplos dessa realidade. Fortalecer a produção de mel, além de assegurar renda no semiárido, representa uma estratégia concreta de preservação do bioma Caatinga e de toda a sua biodiversidade. Onde há abelhas saudáveis, há equilíbrio ecológico — e isso deve ser entendido como prioridade ambiental e econômica.
A agroecologia e a agricultura familiar oferecem caminhos sustentáveis para reduzir a dependência de agrotóxicos. Baseadas na diversidade, no conhecimento local e na racionalização dos recursos naturais, essas práticas promovem alimentos saudáveis, protegem a saúde das comunidades rurais e asseguram a soberania alimentar. Para isso, é urgente ampliar políticas públicas que fortaleçam os pequenos produtores e reconheçam seu papel estratégico no cuidado com o meio ambiente e no combate às mudanças climáticas.
Também é fundamental que o uso de agrotóxicos siga critérios técnicos rigorosos, com fiscalização adequada, orientação especializada e restrição a produtos com alto grau de toxicidade. Muitos agricultores não recebem a devida informação sobre os riscos ou formas corretas de aplicação, o que agrava a contaminação ambiental e humana. Sem controle efetivo, o campo se transforma em terreno fértil para tragédias silenciosas, como a morte de abelhas, a intoxicação de trabalhadores, a contaminação invisível das águas e do solo.
No entanto, projetos como o “Pacote do Veneno”, já aprovado na Câmara dos Deputados, caminham na direção oposta. A proposta enfraquece os órgãos ambientais e sanitários, concentra decisões no Ministério da Agricultura e reduz o controle técnico sobre substâncias perigosas. A sociedade precisa reagir. Produzir alimentos não pode significar matar o que nos alimenta. O futuro da agricultura deve florescer junto com a vida — e não à custa dela.
Colunista jurídica: Drª Marlene Reis
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