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SUS faz 35 anos como marco democrático e com desafios à frente

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SUS faz 35 anos como marco democrático e com desafios à frente

Foto: Marcelo Camargo/Arquivo/Agência Brasil
Até 1988, a saúde não era considerada pelo Brasil como um direito básico 05 de setembro de 2025 | 08:13

SUS faz 35 anos como marco democrático e com desafios à frente

Até 1988, a saúde não era considerada pelo Brasil como um direito básico. Foi apenas com a Constituição Cidadã, promulgada após o fim do regime militar, que tornou-se um dever do Estado, consolidado com a criação formal do SUS (Sistema Único de Saúde) na Lei 8.080, de 1990.

Desde então, a política pública se consolidou uma das maiores do Brasil, o maior sistema de saúde gratuito do mundo e um marco na democracia brasileira, ainda que com seus gargalos e um quadro de desafios a serem enfrentados. Como resultado, ao longo de 35 anos, o sistema alcançou o aumento da expectativa de vida no país, o maior programa de transplante de órgãos do mundo e um sucesso na contenção de epidemias como a Aids, dizem especialistas.

Para marcar a data, a Folha inicia nesta sexta-feira (4) a publicação da série SUS, 35, com cinco reportagens especiais que marcam os 35 anos do sistema público de saúde.

As bases para a universalização da saúde começaram nos anos 1900, quando o presidente Rodrigues Alves designou o médico Oswaldo Cruz para organizar a saúde pública no Rio de Janeiro, então capital e centro comercial do Brasil. Teve início um movimento sanitarista para erradicar doenças infecciosas, como a febre amarela, episódio reconhecido nos livros de história como “Revolta da Vacina”.

A criação da legislação trabalhista pelo então presidente Getúlio Vargas também ajudou a solidificar o alicerce, uma vez que, depois disso, o direito à saúde passou a estar atrelado à Previdência Social. “Fora disso, a pessoa pagava ou não tinha direito a nada”, afirma o médico Luiz Antonio Santini, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), autor do livro “SUS: Uma biografia” e ex-diretor do Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), extinto em 1993.

O Inamps era o sistema responsável pela prestação de serviços de saúde à população com carteira assinada e seus dependentes. Quem não tinha acesso, ou seja, a maior parte dos brasileiros na época, era atendido por estabelecimentos filantrópicos e hospitais de caridade.

Foi durante os vindos de 1980 que a saúde tornou-se uma questão central, impulsionada pelo processo de redemocratização e pelo movimento da Reforma Sanitária. Um dos momentos-chaves na luta política foi a Conferência Nacional de Saúde, de 1986, que reuniu em torno de 5.000 pessoas em Brasília e deu origem ao texto, posteriormente aprovado na Constituinte, do artigo 195 da Constituição, que estabelece a saúde como direito.

Nessa década, teve início a epidemia de Aids e foi criado o Programa Nacional de DSTs (doenças sexualmente transmissíveis) e Aids pelo Ministério da Saúde, que estabeleceu também uma base para o futuro SUS. Quando criado, o sistema assumiu a coordenação da epidemia, até então regada pela desinformação, tornando o Brasil referência no combate à doença.

A técnica de enfermagem Conceição Macedo, 82, lembra bem como era antes. Foi ela a responsável pela criação de uma organização que dava apoio a famílias e crianças soropositivas em Salvador, no início dos anos 1980.

Tudo começou quando, um dia, oferecia alimentação a um paciente no Hospital Geral Roberto Santos, referência de entidade pública na capital baiana. Ela o encontrou chorando porque a família estava sem moradia. Havia perdido a casa e tudo que tinha, comprando medicações para tratar de doenças oportunistas, ainda sem saber que tinha HIV.

Conceição prometeu visitar a família naquela noite. Encontrou seis crianças e a mãe em uma calçada e tentou alugar um quarto para hospedá-las em um casarão no Pelourinho. A mãe, no entanto, estava doente e, ao levá-la ao hospital, descobriu que era soropositiva. Depois da sua morte, Conceição passou a cuidar das crianças.

A notícia se espalhou pela cidade, e, pouco tempo depois, o quarto ficou pequeno. Ela acolhia cerca de 30 famílias debaixo de um viaduto. No hospital e mesmo na rua, passou a sofrer preconceito. Na época, não se sabia como ocorria a transmissão.

Com o tempo, passou a ter ajuda de padres de uma igreja próxima, e fundou a organização ainda em funcionamento, a Instituição Assistencial Beneficente Conceição Macedo. Hoje comemora o fato de que é mais difícil crianças nascerem com o vírus e pacientes morrerem pela doença, já que a medicação é largamente disponibilizada pelo SUS.

Junto a ela, trabalhou por muito tempo o agora aposentado José Mário Conceição, 67. Paciente longínquo do sistema público, fez mais de 20 procedimentos cirúrgicos ao longo da vida após ficar tetraplégico quando adolescente e hoje anda com a ajuda de muletas.

Desde junho deste ano, faz tratamento oncológico em um hospital público em Salvador, e exibe com orgulho a sua primeira carteira do SUS, obtida à época da criação do sistema: “Esse aqui é o maior plano de saúde do Brasil.”

Limitações
Se por um lado comemora-se a existência da saúde como política pública, por outro, ainda existem pontos que merecem atenção.

Posto à prova durante a pandemia, o SUS atende cerca de 70% da população brasileira. A sobrecarga resulta em problemas como longos tempos de espera e dificuldade de acesso a especialistas, agravados pela escassez de recursos.

Como toda política pública, o SUS ainda é permeado pela política, e depende dos nomes eleitos para a implementação, diz o médico sanitarista Gastão Wagner, professor de saúde coletiva da Faculdade de Medicina da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

No entanto, ainda é uma das políticas públicas cuja política partidária interfere menos que as demais, avalia. “Não temos no SUS o que aconteceu no INSS agora, por exemplo. As falcatruas são pontuais e estão geralmente ligadas à terceirização”, afirma.

Para ele, seguir o planejamento público é uma forma de melhorar o sistema, o que relaciona-se ao problema de subfinanciamento já conhecido pelas gestões federais, estaduais e municipais.

“O SUS tem um financiamento deficitário, e estamos com um problema recente de que o orçamento está quase 60% ligado às emendas parlamentares, que não seguem o planejamento e a programação municipal, federal e estadual, e isso leva o SUS a ter filas desiguais em cada região”, acrescenta.

Entre as prioridades, é preciso, por exemplo, maior dedicação à atenção primária e à área de saúde mental, questão que tem crescido nos últimos anos. “A cobertura da atenção primária, equipes de saúde família, hoje é 56%, e tem que chegar a 80%. Isso depende do orçamento, de contratação, da capacitação de profissionais de saúde depois da graduação. Ou seja, precisa de um investimento integrado e o planejamento tem que ser técnico-sanitário.”

Para os especialistas, é importante entender que o SUS não é uma obra acabada e que um de seus pilares é a participação popular.

“O SUS é uma construção permanente. O que é definitivo no SUS é a questão do direito à saúde. Agora, as mudanças para ajustar esse direito vão ser permanentes. A sociedade é dinâmica, as pessoas e as necessidades mudam, mas também as tecnologias mudam”, diz Santini.

Luana Lisboa/Folhapress




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