A brincadeira, o riso e a criatividade são características amplamente atribuídas a infância e juventude; as mesmas palavras podem ajudar a definir duas artes cênicas: o teatro e o circo. Estudos relacionadas a pedagogia e artes indicam que o contato com as artes nos primeiros anos da vida proporcionam um ganho significativo na imaginação, criatividade e desenvolvimento social e sensorial das crianças. Mas o que parece ser um dado científico se torna palpável no dia a dia.
Nesta quinta-feira (27), dia em que se comemora o Dia Mundial do Teatro e do Circo, o Bahia Notícias conta a história de projetos que mudaram a história de diversos jovens e crianças por meio destas artes milenares. No âmbito teatral, a Companhia de Teatro da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato e a Companhia Avatar se dedicam a atrair crianças e jovens, especialmente aqueles em vulnerabilidade social na região.
No bairro de Nazaré, a Biblioteca Infantil Monteiro Lobato (BIML), vinculada a Fundação Pedro Calmon, oferece aulas gratuitas de teatro para crianças de 08 a 17 anos. A iniciativa foi promovida há 15 anos pelo ator e educador artístico, Sérgio Mício.
Foto: Mateus Pereira / GOV-BA. Biblioteca Infantil Monteiro Lobato
Sérgio, que hoje possui a própria companhia de teatro no mesmo bairro, conta como foram os primeiros 10 anos do projeto. Ele relata que ao passar no concurso da Fundação, como REDA [seleção simplificada], ele se surpreendeu com as possibilidades. “Quando cheguei lá, a diretora ficou radiante. Ela me levou no auditório e quando eu entrei disse: ‘Gente, não acredito, isso é um presente para mim. Eu achando que ia ficar emprestando o livro aqui. E vou fazer o que eu gosto’”, relata.
“Eu tenho um propósito que é trabalhar com o público infantil e juvenil, principalmente, o público negro. A questão da autoestima, o combate ao racismo, a questão do empoderamento negro infantil, essa é minha linha de trabalho”, delimita. Mício conta que foi nesse projeto que esse modo de trabalho ficou definido.
“E assim, tem toda a questão de Monteiro Lobato ter sido notoriamente um homem racista. E eu falei assim, ‘Eu sou um homem negro, eu tô aqui nesse espaço, mas eu vou fazer tudo ao contrário’. As crianças negras vão ser protagonistas de todos os espetáculos. E vão ser a prioridade aqui”, relata o professor, formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Mesmo após a saída do professor, a diretora da unidade, Patrícia Porto, conta ao BN que a Companhia de Teatro da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato ajudou a impulsionar a biblioteca. “A importância da companhia é enorme, ela é o nosso carro-chefe. Através dessa companhia, o nosso elenco se aproxima do livro da leitura, os pais das crianças também, começam a participar dos projetos da biblioteca, começa o hábito da leitura através do projeto”, define.
Foto: Lucas Rosário/ Divulgação FPC. Peça teatral da Cia de Teatro da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato.
As inscrições são estabelecidas no final de todos os anos, no mês de dezembro, e as crianças são selecionadas para participar do ciclo de produção de um espetáculo anual. Os elencos são divididos em infantil, para crianças de 08 a 11 anos, e juvenil, de 12 a 17. Atualmente, a direção artística da companhia é gerida pelo ator e produtor artístico, Maycke Barreto.
“Essas crianças fazem a inscrição, e em janeiro passam por uma audição. As crianças e adolescentes aprovadas nas audições ficam com a gente durante um ano, [período em] que é lançado o espetáculo e fica em cartaz não só na biblioteca. Assim como participam das festas literárias, dos eventos das outras unidades onde são também convidados”, conta.
Em entrevista, Sérgio Mício relata que a criação de sua companhia de teatro iniciou antes mesmo de sua saída da BIML. “Em 2013, eu fui à prefeitura e abri o meu MEI [micro-empreendedor individual] na área de teatro e produção teatral. Nesse primeiro momento, eu foquei em produzir espetáculos para vender para escolas e empresas, eventos de uma forma geral. Então eu peguei aqueles alunos que mais se destacaram na companhia da Biblioteca, que já estavam passando transitando da adolescência para fase adulta, entre os 16, 17, 18 anos”, conta.
Foto: Valnei Souza / Acervo Avatar. Ator e diretor teatral Sérgio Mício.
Pouco tempo depois, com a desvinculação da Biblioteca Monteiro Lobato, ele cria a Avatar, por onde oferece aulas particulares de teatro, incluindo taxas especiais a preço social para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. “A gente [Companhia Avatar] tá entrando agora no nosso sétimo ano e eu acredito que já ensinei mais de 200 alunos, acredito. Eu não sei estipular. Agora assim, se for juntar, se for juntar os do Avatar, com os da Biblioteca Monteiro Lobato, que eu fiquei 10 anos, aí vai para mais de 1.000 alunos”, defende.
As aulas na Companhia de Teatro da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato ocorrem às terças e quintas-feiras, com ensaios para a peça teatral anual. Já na Companhia Avatar, Sérgio Mício organiza turmas nas sextas-feiras a tarde, e aos sábados pela manhã.
Ao falar sobre a importância da iniciação infantojuvenil no teatro, Patrícia Porto explica: “A importância de introduzir a criança na arte é o desenvolvimento em todos os aspectos. Não só na arte, mas o desenvolvimento para a sociedade, ter visão de mundo, ampliar os seus horizontes. E um projeto dentro da biblioteca é de suma importância pela proximidade do livro e da leitura, por democratizar o acesso à informação. Então isso abrange vários aspectos de introduzir a criança na arte”, ressalta.
Sérgio Mício, por sua vez, reflete sobre si enquanto um apaixonado pela arte e garante: “Eu vou ficar muito feliz se futuramente eu vê-los atuando na TV, no cinema, no teatro profissionalmente, mas antes de qualquer coisa, eu sempre digo que eu ficaria mais feliz ainda se eles se tornassem cidadãos melhores do que são hoje, se eles puderem representar a si mesmos da melhor forma possível. Eu acho que a arte, o teatro de uma forma geral proporciona isso, não só para criança, adolescente, mas para o público geral”, explica.
Foto: Arquivo pessoal / Avatar Companhia de Teatro
“Todo mundo que passa pelo teatro sai diferente. Eu acho que sai melhor, sai convivendo melhor com as pessoas, socializando melhor, comunicando melhor, se expressando melhor, então o teatro tem esse dom”, conta.
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