Uma média de 2 médicos por cada mil habitantes, concentração de especialidades na capital e espaços de residência cada vez mais disputados, que afastam recém-formados da qualificação necessária para atendimento. O cenário da Bahia não é o ideal, mas traduz um desafio de todo o sistema de saúde do Brasil – não só no público, mas também no privado. Mas uma ferramenta tem se tornado crucial nas estratégias de interiorização do cuidado e na prevenção de doenças de base em locais distantes dos grandes centros urbanos: a tecnologia.
O Ministério da Saúde lançou, no final de maio, o programa Agora Tem Especialistas, uma iniciativa em parceria com estados, municípios e unidades privadas de saúde para reduzir tempo de espera no SUS, sejam exames, consultas ou até cirurgias emergenciais. Entre as ações desenvolvidas estão a ampliação de mutirões, o uso de unidades móveis de saúde (carretas), a aquisição de transporte sanitário e o fortalecimento da Telessaúde.
Em entrevista ao Bahia Notícias durante o Afya Summit, realizado em agosto em São Paulo, a Secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad, explicou como a pasta tem investido em recursos tecnológicos para alcançar os vazios assistenciais. “A gente está mobilizando toda a infraestrutura da rede de serviços da rede pública, mas também convidamos o setor privado, para somar esforços – através de trocas de impostos, de redução de dívidas… E nós temos o componente digital. A gente pensa a jornada do paciente no SUS com diferentes abordagens para melhorar a qualidade da atenção, garantir a continuidade do cuidado e reduzir tempo de espera”, detalhou.
Segundo a secretária, como não há recursos suficientes para ter especialistas em todos os locais necessários, a ideia é diminuir a necessidade de deslocamento desses pacientes sempre que possível, mas garantido a orientação médica correta. “Tanto telediagnóstico, quanto teleconsultas – em que você tem um profissional que dá uma atenção primária no local e que pode entrar em contato com um especialista para melhorar a capacidade de fazer um bom diagnóstico, discutir casos, e resolver mais rápido”.
Haddad deu o exemplo de um caso de sucesso no Ceará: entre 918 teleatendimentos, a teleregulação reduziu o deslocamento em 256 mil quilômetros. “Isso traz mais comodidade ao paciente, redução de custos, uma resposta imediata e uma orientação pro caso, com um encaminhamento mais bem feito”, apontou. Já em Santa Catarina, apenas no atendimento de dermatologia, 46% dos casos foram resolvidos pela teleconsulta.
MEU SUS DIGITAL
Um outro recurso que tem recebido a atenção do MS é o aplicativo Meu SUS Digital. Uma evolução do Conecte SUS, que se popularizou na pandemia, a ferramenta deve reunir todas as informações de quem recorrer ao sistema único de saúde, com dados de exames, consultas e vacinas em um só lugar. “A gente ampliou muito essa experiência inicial que aconteceu na pandemia, quando a gente tinha, no começo, o resultado de exames de Covid-19 e as vacinas. Hoje a gente já tem os certificados de vacina muito mais ampliados – não só da Covid. Nós temos na Rede Nacional de Dados em Saúde hoje um legado de 50 anos já na rede de vacinas. O que não está na rede, deve estar em caderneta de papel. Aí, é só a pessoa levar a caderneta na Unidade Básica de Saúde e, sendo registrado no sistema, já vai aparecer no Meu SUS Digital”, comemorou.
Os atendimentos clínicos das UBSs também já foram vinculados, além da inserção de novas funcionalidades. “Há muito conteúdo educacional, miniaplicativos como o ‘Hemovida’, a fila de transplante de órgãos – quem está esperando um transplante pode acessar o seu lugar na fila -, a caderneta de saúde da criança…”, exemplificou, dizendo que haverá novidades no aplicativo “todo mês”.
VAZIOS ASSISTENCIAIS
Em um estado do tamanho de um país como a Bahia, alcançar atendimento especializado em 417 municípios parece impossível. E a dificuldade também afeta o Sistema de Saúde Suplementar – que atua como um sistema paralelo ao SUS, oferecendo opções de assistência médica privada.
De acordo com um levantamento da Demografia Médica, acessado pelo Bahia Notícias, a Bahia tem hoje a razão de 2,07 médicos por 1.000 habitantes no estado – a média nacional é de 3,08 médicos por 1.000 habitantes. Os números baianos ainda indicam uma densidade de médicas inferior regionalmente: no Nordeste, a Bahia só fica acima do Maranhão. Ainda segundo o estudo, a distribuição de médicos nos municípios baianos é desigual e repete um padrão nacional, onde esses profissionais estão concentrados em centros urbanos. Em Salvador, por exemplo, há 16.934 médicos registrados, com uma razão de 6,59 médicos por 1.000 habitantes.
De acordo com o Mapeamento da Rede e dos Vazios Assistenciais na Saúde Suplementar, realizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e divulgado este ano, a Bahia tinha 31 Regiões de Saúde em 2011, mas esse número caiu para 28 em 2018 – quantidade que se manteve até 2023, último dado disponível no documento. O relatório aponta que, enquanto alguns especialistas estão à disposição em todas as regiões, como cirurgião-dentista ou clínico-geral, serviços de hemodiálise ou radioterapia não estão disponíveis nem em 10% dos municípios do estado.
Fonte: Mapeamento da Rede e dos Vazios Assistenciais na Saúde Suplementar, da ANS
Vejam dados que apontam a presença de assistências nos municípios da Bahia registrados no mapeamento divulgado pela ANS – os números consideram os Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) referentes a outubro de 2023.
- CIRURGIÃO-DENTISTA: 216 municípios (52% das cidades) – 28 regiões (100% das regiões de saúde)
- CLÍNICO GERAL: 144 municípios (25%) – 28 regiões (100%)
- MÉDICO GINECOLOGISTA E OBSTETRA: 117 municípios (28%) – 28 regiões (100%)
- MÉDICO PEDIATRA: 93 municípios (22%) – 27 regiões (96%)
- ESTABELECIMENTOS PARA ATENDIMENTO DE URGÊNCIA: 90 municípios (22%) – 28 regiões (100%)
- ESTABELECIMENTOS COM INTERNAÇÃO: 76 municípios (18% das cidades) – 28 regiões (100% das regiões de saúde)
- CIRURGIÃO-GERAL: 67 municípios (16%) – 27 regiões (96%)
- SERVIÇO DE HEMODIÁLISE: 28 municípios (7%) – 23 regiões (82%)
- SERVIÇO DE QUIMIOTERAPIA: 14 municípios (3%) – 12 regiões (43%)
- SERVIÇO DE RADIOTERAPIA: 5 municípios (1%) – 4 regiões 14%
TELEATENDIMENTO E ENSINO
E a interiorização do atendimento a partir de práticas de teleatendimento também já é foco da academia. O Grupo Afya, por exemplo, conseguiu levar especialidades como neuropediatria e psiquiatria voltada para crianças e adolescentes à cidade de Abaetetuba, a 125 km da capital paraense, Belém. “A gente sabe que o número de profissionais com essas especialidades é muito reduzido, então nós tentamos agregar esses profissionais com a telemedicina, com atendimento de Belém ou até de outros estados”, apontou Fagner Carvalho, professor e coordenador na Afya Faculdade de Ciências Médicas de Abaetetuba.
Carvalho reforçou ainda que, mesmo com o atendimento à distância, há sempre um médico generalista presente ao lado do paciente, tanto para suporte de informações quanto para humanizar o atendimento e esclarecer dúvidas. “O olhar do especialista ajuda nos diagnósticos diferenciais, para dar a conduta adequada, e o médico que está com o paciente dá esse suporte, inclusive em relação a prescrições de receitas”, completou.
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