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Um Brasil que desmorona: desabamentos de pontes atrasam o país

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Um Brasil que desmorona: desabamentos de pontes atrasam o país
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Dor dilacerante

Rosângela Nascimento, 62 anos (60 anos na época), estava com o marido, João Nascimento Fernandes, 58, quando a ponte sobre o Rio Curuçá, no Amazonas, colapsou. Era a manhã de 28 de setembro de 2022, e os dois voltavam de um fim de semana em Autazes, município a cerca de 30 quilômetros de Manaus.

O casal viu uma fila de carros parados para atravessar a ponte no km 23, na altura do município de Careiro da Várzea. A rota havia sido interditada parcialmente dois dias antes por causa de rachaduras e buracos. A fila era causada por protestos que pediam melhorias na via.

João desceu do carro para verificar o que estava acontecendo e disse à Rosângela para aguardar no veículo. Não tinham passado nem 10 minutos, a mulher ouviu um estrondo e se assustou. A servidora pública correu para a ponte e viu os destroços na água barrenta, em meio a carros e pessoas. Não achou João.

“Eu gritava e chorava chamando por ele”
Rosângela Nascimento

O susto foi tão grande que Rosângela infartou, relata a filha Gilcilene Araújo, 37 anos. “A gente descobriu depois. Os exames mostraram que ela tinha infartado, mas a adrenalina foi tanta que ela nem desmaiou.”

Sem acesso à internet, Rosângela contou com ajuda de um conhecido para falar com a família, que estava em Manaus. Conseguiu acionar Diane e Kelly – suas filhas, que chegaram ao local do desabamento quase duas horas depois devido à dificuldade de acesso.

“Era uma cena de guerra. Nós descemos um barranco enorme de barro e de mata; depois atravessamos o rio em uma canoinha, depois subimos outro barranco. A primeira coisa que vi foi o carro do meu pai estacionado.”

Breno Esaki / Metrópoles

Imagem Rosângela Nascimento com a filha Diane: por meses, a família repetiu a rotina de esperar por notícias de João à beira do Rio Curuçá

Ao encontrar as filhas, Rosângela sentiu um pouco de esperança. “A gente via nos olhos dela que ela aguardava alguma notícia boa sobre o papai”, lembra Kelly. As duas, no entanto, não tinham informações de João.

No dia seguinte, Gilcilene, a filha mais velha do casal, e Beatriz, neta deles, acompanharam as buscas. A água escura e os destroços atrapalhavam a visibilidade no rio. A família – agora formada apenas por mulheres – repetiria muitas vezes a agonia de esperar por notícias de João à beira do Curuçá.

Onze dias após a tragédia, em 8 de outubro de 2022, outra ponte na mesma estrada também sucumbiu. A estrutura sobre o Rio Autaz-Mirim estava a apenas 1,5 quilômetro de distância da primeira ponte. Dessa vez, não houve mortos nem feridos, pois o trecho estava previamente interditado.

Breno Esaki / Metrópoles

Imagem Ponte sobre o Rio Autaz-Mirim, na mesma rodovia, caiu 11 dias depois

O governo do Amazonas montou um comitê de resposta rápida para dar explicações e tomar providências sobre o desabamento das pontes, mas as reuniões se restringiam a discutir questões de locomoção na área. Nem parecia que o episódio tinha mortos e desaparecidos. A BR-319 é uma das poucas estradas que alcançam o Amazonas.

As buscas pelo corpo de João foram encerradas 14 dias após o desabamento da primeira ponte. A viúva, as filhas e as netas sentiram que encontrar o patriarca não era prioridade para as autoridades envolvidas. “Não tocavam no assunto morte em momento algum. Eu tinha que tirar uma força de dentro de mim para, no meio daquelas autoridades, perguntar como estavam as buscas para achar meu pai. Só aí que quem mediava pedia para os bombeiros informarem um parecer”, desabafa Diane.

A família, que tinha parado a vida desde o desaparecimento de João, resignou-se a retomar os compromissos aos poucos.

Breno Esaki / Metrópoles

Sentimento da família de João Nascimento mistura dor e revolta

Em 17 de fevereiro de 2023, uma sexta-feira de pré-Carnaval, o corpo de João finalmente foi encontrado. Já tinham se passado cinco meses desde o acidente. A empresa contratada para refazer a ponte removeu um caminhão do fundo do rio e, debaixo do veículo pesado, estavam os ossos dele.

Àquela altura, Rosângela estava visitando a mãe, no Pará, com a filha Kelly. Em vez de receber a notícia pelas autoridades competentes, viu o corpo do marido em redes sociais. “Estava na casa da minha mãe, mexendo no Facebook, e apareceu a publicação”, lembra.

Kelly estava perto e mexeu no celular imediatamente para evitar que a mãe visse o corpo do pai.

Imagem de duas mulheres à beira do abismo Imagem de duas mulheres à beira do abismo
“Minha filha pegou o celular, o post sumiu, mas não adiantou. Eu conheci. Conheci a cabeça dele. Reconheci.”
Rosângela Nascimento

“Isso dói. Comecei a chorar e a passar mal na frente da minha mãe, uma senhora de 95 anos. Acho que, nesse momento, a gente deve ter respeito com as pessoas que morrem e as famílias delas”, completa Rosângela, referindo-se aos que vazaram a foto e aos que a publicaram em redes sociais.

Para a família Nascimento, a saudade de João é diária e vem acompanhada do sentimento de revolta.

Três anos depois da queda da ponte, o inquérito apontando os responsáveis não está concluído. O Metrópoles procurou a Polícia Civil do Amazonas e o Governo do estado para saber os motivos da demora. Nenhum dos órgãos respondeu.

O Dnit informou, em nota, que o colapso ocorreu por causas geológicas.

“Foi uma tragédia anunciada, uma tragédia que poderia ter sido evitada. O meu pai não era para ter morrido. Ele era um cara saudável, um homem que estava bem, feliz, que trabalhava.”

João era marido de Rosângela há 35 anos, pai de três mulheres, avô de duas meninas, servidor público e cantor de bolero.

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