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Descoberta em Jeremoabo muda a história de Maria Bonita

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Pesquisadores atestam como verdadeiro documento que revela data de nascimento da Rainha do Cangaço

Uma descoberta recente realizada em Jeremoabo, no interior da Bahia, promete reescrever parte importante da história do cangaço e corrigir um dado que se popularizou ao longo das últimas décadas sobre Maria Bonita, a maior cangaceira que existiu. Sua força representativa acabou casando perfeitamente com a data de nascimento dela: 8 de março, em pleno dia da mulher. Agora, um documento desconecta esta feliz coincidência, pois ela nasceu mais de um ano antes do que se pensava: no dia 17 de janeiro de 1910 – e não em 1911.

Documentos encontrados na Paróquia de São João Batista de Jeremoabo mudam o curso da história e reeditam os livros sobre o cangaço. Companheira de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, Maria Bonita nunca teve um documento oficial conhecido para comprovar seu nascimento. Mas livros e jornais da época resolveram dar uma data, sem nenhuma comprovação: ficou 8 de março e acabou. Contudo, historiadores encontraram o Santo Graal em Jeremoabo: o registro batismal original de Maria Bonita.

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O achado, considerado um marco para estudiosos e pesquisadores do ciclo do cangaço, demorou para ser revelado. O centenário da cangaceira, muito comemorado no Nordeste em 2011, sempre foi motivo de desconfiança do estudioso no assunto Voldi de Moura Ribeiro, já falecido. Ele encontrou uma carta da década de 70 que falava de um documento em Paulo Afonso que desmentia o nascimento de Maria Bonita.

O documento foi localizado nos arquivos da Diocese de Paulo Afonso, pertencente à paróquia São João Batista de Jeremoabo, município onde Maria Gomes de Oliveira foi batizada. A certidão de batistério, datada de setembro de 1910, registra claramente o dia, o mês e o ano de nascimento, derrubando uma versão repetida à exaustão entre os populares, mas até então nunca comprovada com base documental.

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Robério Santos, Luiz Ruben e Sandro Lee Crédito: Reprodução

O pesquisador e escritor especializado em cangaço, Robério Santos se juntou aos pesquisadores Sandro Lee e Luiz Ruben na cerimônia realizada em Jeremoabo para celebrar o novo marco histórico. “Minha ligação com Jeremoabo é muito forte, seja pela história das volantes e também das entregas dos cangaceiros em 1938. Nunca fui de me aprofundar na história de Maria Bonita, porém há alguns anos o pesquisador Voldi de Moura Ribeiro nos trouxe o livro Lampião e o Nascimento de Maria Bonita, contestando a data de 8 de março como a de nascimento da Rainha do Cangaço. Então, recentemente, fomos até Jeremoabo tirar isso a limpo, ver de perto este documento. Para nossa surpresa, ele é real. O batistério original de Maria Bonita confirma seu nascimento em 17 de janeiro de 1910”, valida Robério.

A transcrição oficial do acontecido é curiosa, pois mostra como era a ortografia da época. O documento diz, com letras para caligrafia nenhuma botar defeito: “Livro 3, folha 30V. Aos sete dias do mez de setembro de mil nove centos e dez, baptisei solemnemente a Maria nascida a dissete de janeiro de mil nove centos e dez, filha natural de Maria Joaquina da Conceição. Foram padrinhos Agripino Gomes Baptista e Maria Joaquina da Conceição. E para constar fiz este assento que me assigno. Vigário Euthymnio José de Carvalho. Acervo: Diocese de Paulo Afonso, paróquia São João Batista de Jeremoabo-BA”. 

Maria Bonita e sua data de nascimento correta

História de Maria Bonita recontada por Reprodução

Para Robério Santos, a descoberta é definitiva. Segundo ele, o documento encerra uma controvérsia que se arrastava há anos entre pesquisadores do cangaço. “Então, acredito de verdade que esta seja a verdadeira data de nascimento dela, e que os livros façam as devidas revisões”, completa o historiador. 

O achado já está repercutindo entre estudiosos e promete impactar museus, memorialistas e pesquisadores dedicados ao tema. Em vários estados do Nordeste existem roteiros históricos, centros culturais e mostras dedicadas ao cangaço que utilizam o 8 de março como referência oficial a Maria. Mas, a data vai ter que mudar em algum momento. 

Em festas populares e eventos temáticos realizados em honra do imaginário sertanejo é comum ver a o Dia Internacional da Mulher celebrado também como aniversário de Maria Bonita. Isso também terá que mudar. O novo documento pode alterar, inclusive, cronologias de livros clássicos que tratam da trajetória do casal mais famoso do sertão.

Nascida no povoado de Malhada da Caiçara, na Bahia, Maria Déa, que, mais tarde ficaria conhecida como Maria Bonita, cresceu em meio às adversidades do sertão e em contexto social marcado pela violência política dos coronéis, disputas por terra, secas sucessivas e conflitos envolvendo grupos armados.

Teve infância humilde e vida comum até se aproximar de Lampião, que se tornaria o líder mais temido e ao mesmo tempo mais admirado do cangaço. Sua entrada no bando, por volta de 1930, representou uma ruptura histórica: até então, mulheres não participavam diretamente do movimento. A presença feminina alterou rotinas, códigos internos e a própria forma de atuação e deslocamento do grupo. O assunto é tão importante que foi tema do livro Bandidos, de Eric Hobsbawm, historiador britânico.

Mas outro detalhe que a história ainda não corrigiu. Maria Bonita entrou no cangaço no mesmo dia e hora que a cunhada dela, irmã de seu ex-marido Zé de Neném. Foi a cangaceira Mariquinha. Então, outra lenda cai por terra de que Maria foi a primeira. Foi a mais importante, mas não foi exatamente a primeira. 

A imagem de Maria Bonita atravessa quase um século como símbolo de luta, resistência e coragem. Para muitos, ela representa também uma mulher que rompeu padrões conservadores de seu tempo, abandonando uma vida estável para viver no meio da caatinga, enfrentando volantes policiais, emboscadas, fome e perseguições. Ela vivia um casamento infeliz com um homem mais velho e resolveu cair no mundo. 

O casal Lampião e Maria Bonita foi morto em 28 de julho de 1938, na Grota do Angico, em Sergipe, durante uma emboscada organizada pelas forças policiais alagoanas. Após a morte, as cabeças do casal foram expostas por vários anos no IML Nina Rodrigues, em Salvador.

Fonte: Correios


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