Indústria baiana ocupa o posto de maior produtora de ferrocromo das Américas; vale mais de R$32 bilhões
José Carvalho (1931-2015) teve seu primeiro contato com pedras de cromita quando era estudante de Engenharia de Minas no início dos anos 1950. Curioso sobre aqueles fragmentos de rochas descarregados por um caminhoneiro na Universidade de Ouro Preto, perguntou ao trabalhador de onde vinham. O motorista nada disse. Apenas esticou o braço e mostrou a Carvalho a nota fiscal que revelava a origem das pedras: Campo Formoso, Bahia. Naquele instante Carvalho registrou na memória a informação que estava no papel e mudaria sua vida, de sua família e de outras milhares de pessoas anos depois.
Após se formar e ter passagens pelo Paraná e Brasília, onde conseguiu juntar dinheiro ao trabalhar na construção da nova capital, Carvalho seguiu para a Bahia. Arranjou financiamento, comprou terras e iniciou a exploração da cromita, que conhecera antes. A cromita é fonte de ferro e cromo, metais que unidos formam o ferrocromo, liga metálica de importante solo aplicações industriais, como o aço inoxidável. Satisfeito com os resultados dos testes em campo e confiante no processo produtivo, Carvalho fundou em 1961 a Companhia de Ferro Ligas da Bahia, a Ferbasa.
Nos anos seguintes, José Eduardo, seu filho primogênito (hoje com 68 anos), passaria a acompanhá-lo em sua jornada nas lavras de mineração e nos fornos utilizados na produção do ferrocromo
Sou o maior arquivo vivo da Ferbasa e quero voltar para a fundação do meu pai.José Eduardo Carvalho – herdeiro da Ferbasa
José Eduardo não exagera quando faz tal afirmação. A Ferbasa é a maior produtora de ferrocromo das Américas e vale mais de R$ 3,2 bilhões. Diversificou sua atuação e possui ativos em reflorestamento e energia. Listada na B3, conta entre os acionistas minoritários com renomados investidores, como a Trígono Capital, Vanguard Group, JP Morgan e a BlackRock. A maior parte de sua produção de ferrocromo é vendida para o Japão e países europeus. Está entre as principais indústrias da Bahia e pagadoras de tributos do estado.
Um episódio ocorrido em 1975, no entanto, marcaria a história da Ferbasa e de toda a família, principalmente a de José Eduardo. Isso porque após complicado processo de separação matrimonial, Carvalho transferiu suas ações da mineradora para uma fundação recém-criada que levava seu nome: a Fundação José Carvalho, que também passou a controlar a Ferbasa.
Se por um lado Carvalho tentava blindar sua riqueza, por outro geraria confusão patrimonial e irregularidades que prejudicam José Eduardo atualmente porque não consegue acesso ao que lhe é de direito. Denise, a outra filha de Carvalho, morreu num trágico acidente de carro em 1987 no interior baiano.
Interdição de José Carvalho
Ao criar a fundação, Carvalho se cercou de pessoas de sua confiança no conselho e cravou no estatuto que seria seu presidente vitalício. Entre 1975 até a metade dos anos 2000 Carvalho foi o comandante-mor da fundação e da pujante Ferbasa, bem como de projetos sociais que criara para ajudar pessoas carentes. Nada relevante era decidido na fundação sem seu carimbo. Ele era um verdadeiro homem de ferro tamanha sua força na empresa e influência na sociedade baiana. Em 2007, com o diagnóstico de Mal de Alzheimer, foi interditado judicialmente e jamais retornou à fundação.

Carteirinha de José Eduardo Cabral de Carvalho como gerente | Foto: Reprodução
Boa parte das pessoas que estavam ao seu lado desde 1975 já havia deixado a instituição quando Carvalho sofreu a interdição. Num primeiro momento, sua companheira à época, Gilcina Carvalho, na condição de curadora, assumiu seu lugar como presidente vitalícia, mas durou pouco na função. Quem tomou o controle da entidade a partir dali foram pessoas que à época da criação da fundação, ou nos anos seguintes, eram estagiárias ou estavam em começo de carreira.
Uma das primeiras medidas adotadas pelos novos integrantes do conselho da fundação foi mudar seu estatuto, permitindo, dentre outras coisas, a criação de inúmeros cargos remunerados na Fundação, algo vetado por Carvalho de forma assertiva durante décadas. Outra alteração substancial do estatuto naquela época, foi a limitação do número de membros da família de José Carvalho no Conselho da Fundação, o que também diverge da concepção inicial da instituição.
Logo após a interdição de seu pai, José Eduardo ganhou vaga de conselheiro na fundação. Só que Eduardo, mesmo sendo o único herdeiro de Carvalho e profissional especializado em mineração, exercia papel meramente figurativo. “Eles só me deram o cargo para parecer que a família do meu pai estava representada na empresa. Não levavam adiante nenhuma das minhas sugestões. Minha presença era uma peça de ficção”. Após três anos nessa condição, Eduardo decidiu dar um basta.
Meu pai idealizou tudo. Ele se dedicava ao trabalho em todos os detalhes e, por isso, ergueu um verdadeiro impérioJosé Eduardo
Hoje uma das filhas de José Eduardo, Bárbara Carvalho, compõe o quadro de conselheiros da Ferbasa. Segundo ele, a nomeação dela é uma tentativa de Martha Fernandes, uma das pessoas mais influentes da fundação, de dizer que a família do fundador está representada. “Eles conseguiram jogar a minha filha contra mim e toda a minha família. É um jogo baixo”.

Dona do pedaço: de estagiária a manda-chuva da Ferbasa, Martha Fernandes é quem controla a empresa e dribla a Justiça | Foto: Redação
José Eduardo remói o episódio de sua expulsão do conselho ao lembrar que sua vida sempre esteve entrelaçada à de seu pai. “Quase tudo o que aprendi foi com ele. Até minha formação profissional, de técnico de mineração, tem relação com a história dele. Mesmo quando toquei projetos pessoais a gente se falava sobre o futuro da fundação e da Ferbasa. Em toda relação entre pai e filho há altos e baixos, mas existia enorme cumplicidade entre nós dois, enorme carinho”.
Processo e drible na Justiça
Após sua expulsão repentina do Conselho em 2012, com seu pai interditado judicialmente, José Eduardo resolveu agir. No mesmo ano ingressou na Justiça com um pedido de acesso aos documentos de instituição da Fundação, relativo à contabilidade, doações feitas por seu pai e sobre a administração geral do patrimônio do Interditado.
Em seguida, no ano 2015, após a morte de seu pai, José Eduardo teve acesso, na condição de Inventariante, a uma pequena parte dos documentos fiscais, sobretudo declarações de imposto de renda da pessoa física de José Carvalho.
Embora não tenha acessado os documentos relativos à Fundação e à Ferbasa – peças-chave para desvendar as manobras patrimoniais feitas secretamente -, Eduardo constatou a partir do inventário que o patrimônio pessoal de seu pai não correspondia à pujança dos negócios de suas empresas.
Ingressou, no ano seguinte ao da morte, em 2016, com um pedido para anular a transferência das ações de seu pai para a fundação nos anos 1970. Alegou que seu pai não poderia doar em vida mais de 50% de seu patrimônio. Essa prática é vetada pela legislação brasileira, já que existe a proteção no Direito Civil à herança legítima. Afirmou ainda que algumas incorporações realizadas pela fundação tinham indícios de fraudes.
José Eduardo colheu vitórias desde então. A Justiça lhe garantiu, por exemplo, acesso a documentos e informações que comprovariam as irregularidades na transferência das ações, o que poderá levá-lo, na prática, a dispor de aproximadamente 25,27% do Capital Social da Ferbasa, tornando-o o seu maior acionista individual e podendo alterar o controle da Companhia. Isso corresponde justamente à metade das ações pertencentes à Fundação e que não poderiam ter sido doadas por seu pai.
Atualmente a Fundação é dona de 50,54% do Capital Social da Ferbasa, detendo 98,83% das ações ordinárias com direito a voto e 26,39% das ações preferenciais sem direito a voto.
As decisões judiciais favoráveis obtidas na Justiça até o momento não foram efetivas porque a fundação, de forma insistente, as descumpre. Nem mesmo uma as diligências de busca e apreensão conduzidas pela Justiça em suas dependências garantiu o acesso aos documentos determinados. A fundação chegou a entregar livros de contabilidade em branco como forma de despiste.
“Do que eles têm medo a ponto de enganar até a Justiça? De alguém descobrir malfeitos que estão além da questão dos meus direitos? Falcatruas que prejudicam os acionistas minoritários?”, pergunta. A Ferbasa e Fundação, rés nas ações judiciais, chegaram a arguir a suspeição do Desembargador Relator dos casos, mas foram derrotadas. O incidente foi amplamente rejeitado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça da Bahia.
José Eduardo garante que o processo extrapola a questão financeira. “Sou o legítimo herdeiro de meu pai, o fundador e o responsável por tudo o que existe hoje. Quero voltar à fundação, pela qual tive rápida passagem, para preservar a obra de José Carvalho”. Ele se refere especialmente aos trabalhos sociais da entidade. “As escolas mantidas pela fundação contavam com muito mais alunos que hoje, apesar dos sucessivos e fartos lucros da Ferbasa. Meu pai tinha verdadeira adoração pelas crianças e fazia tudo para garantir que tivessem educação de primeira qualidade”.
Fonte: A Tarde
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